Foco Narrativo

Márcia Fernandes
Revisão por Márcia Fernandes
Professora licenciada em Letras

O foco narrativo é a perspectiva de quem conduz a história e que, assim, determina o tipo de narrador. Narrador é aquele que conta uma história. Ele é o principal elemento da estrutura de uma narrativa e representa a voz do texto.

Os tipos de narrador são:

  • narrador personagem (narra em primeira pessoa)
  • narrador observador (narra em terceira pessoa)
  • narrador onisciente (narra em terceira pessoa e sabe tudo sobre a história)

Não devemos confundir a voz do próprio autor com a voz criada por ele para narrar a história. Nesse sentido, vale lembrar que o autor do texto trata-se da pessoa real, sendo que a “voz do texto” é, na maioria das vezes, de um narrador criado por ele.

Narrador personagem

O narrador personagem, ou narrador primeira pessoa, é um dos personagens da história, normalmente um dos protagonistas, ou um coadjuvante que, assim, participa nos acontecimentos relatados. Nesse caso, a história é narrada em 1ª pessoa do singular ou do plural (eu, nós).

Há duas variantes de narrador personagem: narrador testemunha e narrador protagonista.

Exemplo de narrador personagem:

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.” (Dom Casmurro, Machado de Assis)

Narrador observador

O narrador observador, ou narrador terceira pessoa, observa tudo e faz o relato daquilo que observa, por isso, recebe o nome de observador.

Nesse caso, o narrador não participa da história e está fora dos fatos, ou seja, ele não é um personagem. A história é narrada em 3ª pessoa do singular (ele/ela) ou do plural (eles/elas).

Há duas variantes de narrador em terceira pessoa: narrador neutro (ou parcial) e narrador intruso.

Exemplo de narrador observador:

Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor, vexado daquele pensamento, arrepiou caminho, buscou outro assunto, uma canoa que ia passando; o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que lhe importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Rubião acompanhavam, arregalados? Ele, coração, vai dizendo que, uma vez que mana Piedade tinha de morrer, foi bom que não casasse; podia vir um filho ou uma filha... - bonita canoa! - Antes assim! - Como obedece bem aos remos do homem!
- O certo é que estão no céu!
” (Quincas Borba, Machado de Assis)

Narrador onisciente

Aqui, devemos atentar ao conceito da palavra onisciente, a qual significa “aquele que sabe de tudo”. Dito isso, como foco narrativo, o narrador onisciente é aquele que conhece toda a história.

Também possui conhecimentos sobre todos os personagens e seus pensamentos, sentimentos, passado, presente e futuro. A história é narrada em 3ª pessoa do singular (ele/ela) ou do plural (eles/elas).

Exemplo de narrador onisciente:

Um segundo depois, muito suave ainda, o pensamento ficou levemente mais intenso, quase tentador: não dê, elas são suas. Laura espantou-se um pouco: porque as coisas nunca eram dela.
Mas estas rosas eram. Rosadas, pequenas, perfeitas: eram. Olhou-as com incredulidade: eram lindas e eram suas. Se conseguisse pensar mais adiante, pensaria: suas como nada até agora tinha sido
.” (A Imitação da Rosa, Clarice Lispector)

Estrutura e elementos da Narrativa

A estrutura básica do texto narrativo é: apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho.

A narração é um tipo de texto baseado nas ações de personagens e caracterizados por determinado tempo e espaço. Destacam-se o romance, a novela, a crônica, o conto, a fábula, as lendas, dentre outros.

Os elementos que compõem uma narração são:

  • narrador (aquele que conta a história);
  • enredo (história);
  • personagens (aqueles que compõem a narrativa);
  • tempo (período em que desenvolve a narrativa);
  • espaço (local onde ocorrem os fatos desencadeados na narração).

Exercícios sobre foco narrativo e tipos de narrador

1. (UFV) Considere o texto:

"O incidente que se vai narrar, e de que Antares foi teatro na sexta-feira 13 de dezembro do ano de 1963, tornou essa localidade conhecida e de certo modo famosa da noite para o dia. (...) Bem, mas não convém antecipar fatos nem ditos. Melhor será contar primeiro, de maneira tão sucinta e imparcial quanto possível, a história de Antares e de seus habitantes, para que se possa ter uma ideia mais clara do palco, do cenário e principalmente dos personagens principais, bem como da comparsaria, desse drama talvez inédito nos anais da espécie humana.”

(Fragmento do livro Incidente em Antares, de Érico Veríssimo)

Assinale a alternativa que evidencia o papel do narrador no fragmento acima:

a) O narrador tem senso prático, utilitário e quer transmitir uma experiência pessoal.
b) É um narrador introspectivo, que relata experiências que aconteceram no passado, em 1963.
c) Em atitude semelhante à de um jornalista ou de um espectador, escreve para narrar o que aconteceu com x ou y em tal lugar ou tal hora.
d) Fala de maneira exemplar ao leitor porque considera sua visão a mais correta.
e) É um narrador neutro, que não deixa o leitor perceber sua presença.

Alternativa c: Em atitude semelhante à de um jornalista ou de um espectador, escreve para narrar o que aconteceu com x ou y em tal lugar ou tal hora.

2. (Fuvest)

(...) Escobar vinha assim surgindo da sepultura, do seminário e do Flamengo para se sentar comigo à mesa, receber-me na escada, beijar-me no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção do costume. Todas essas ações eram repulsivas; eu tolerava-as e praticava-as, para me não descobrir a mim mesmo e ao mundo. Mas o que pudesse dissimular ao mundo, não podia fazê-lo a mim, que vivia mais perto de mim que ninguém. Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, e eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da vida embaçada e agoniada. Quando, porém, tornava a casa e via no alto da escada a criaturinha que me queria e esperava, ficava desarmado e diferia o castigo de um dia para outro.

O que se passava entre mim e Capitu naqueles dias sombrios, não se notará aqui, por ser tão miúdo e repetido, e já tão tarde que não se poderá dizê-lo sem falha nem canseira. Mas o principal irá. E o principal é que os nossos temporais eram agora contínuos e terríveis. Antes de descoberta aquela má terra da verdade, tivemos outros de pouca dura; não tardava que o céu se fizesse azul, o sol claro e o mar chão, por onde abríamos novamente as velas que nos levavam às ilhas e costas mais belas do universo, até que outro pé de vento desbaratava tudo, e nós, postos à capa, esperávamos outra bonança, que não era tardia nem dúbia, antes total, próxima e firme (...)”.

(Fragmento do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis)

A narração dos acontecimentos com que o leitor se defronta no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, se faz em primeira pessoa, portanto, do ponto de vista da personagem Bentinho. Seria, pois, correto dizer que ela apresenta-se:

a) fiel aos fatos e perfeitamente adequada à realidade.
b) viciada pela perspectiva unilateral assumida pelo narrador.
c) perturbada pela interferência de Capitu que acaba por guiar o narrador.
d) isenta de quaisquer formas de interferência, pois visa à verdade.
e) indecisa entre o relato dos fatos e a impossibilidade de ordená-los.

Alternativa b: viciada pela perspectiva unilateral assumida pelo narrador.

3. (Enem)

A partida

Acordei pela madrugada. A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco. Veio-me então o desejo de não passar mais nem uma hora naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.

Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras…Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?

LINS, O. A partida. Melhores contos. Seleção e prefácio de Sandra Nitrini. São Paulo: Global, 2003.

No texto, o personagem narrador, na iminência da partida, descreve a sua hesitação em separar-se da avó. Esse sentimento contraditório fica claramente expresso no trecho:

a) “A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir”
b) “Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco”
c) “Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama”
d) “Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e amor”
e) “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras…”

Alternativa e: “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras…”

Para saber mais sobre cada um dos tipos de narrador:

Continue aprendendo com:

Referências Bibliográficas

GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 7. ed. São Paulo: Ática, 2001.

Márcia Fernandes
Revisão por Márcia Fernandes
Professora, produz conteúdos educativos (de língua portuguesa e também relacionados a datas comemorativas) desde 2015. Licenciada em Letras pela Universidade Católica de Santos (habilitação para Ensino Fundamental II e Ensino Médio) e formada no Curso de Magistério (habilitação para Educação Infantil e Ensino Fundamental I).
Daniela Diana
Edição por Daniela Diana
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line.