João Cabral de Melo Neto

Daniela Diana
Daniela Diana
Professora licenciada em Letras

João Cabral de Melo Neto foi poeta, escritor e diplomata brasileiro. Conhecido como “poeta engenheiro”, ele fez parte da terceira geração modernista no Brasil, conhecida como Geração de 45.

Nesse momento, os escritores estavam mais preocupados com a palavra e a forma, sem deixar de lado a sensibilidade poética. De maneira racional e equilibrada, João Cabral se destacou por seu rigor estético.

Morte e Vida Severina” foi, sem dúvida, a obra que o consagrou. Além disso, seus livros foram traduzidos para diversas línguas (alemão, espanhol, inglês, italiano, francês e holandês) e sua obra é conhecida em diversos países.

Biografia

João Cabral de Melo Neto

O pernambucano João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife em 6 de janeiro de 1920.

Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmen Carneiro Leão Cabral de Melo, João era primo de Manuel Bandeira e Gilberto Freyre.

Passou parte da infância nas cidades pernambucanas de São Lourenço da Mata e Moreno.

Muda-se com a família em 1942 para o Rio de Janeiro, onde publica seu primeiro livro, “Pedra do Sono”.

Começa atuar no serviço público em 1945, como funcionário do Dasp (Departamento de Administração do Serviço Público).

No mesmo ano, inscreve-se para o concurso do Ministério das Relações Exteriores e passa a integrar em 1946 o quadro de diplomatas brasileiros.

Após passar por vários países, assume o posto de cônsul-geral da cidade do Porto, em Portugal em 1984.

Permanece no cargo até 1987, quando volta a viver com a família no Rio de Janeiro. É aposentado da carreira diplomática em 1990. Pouco depois, começou a sofrer com uma cegueira, fato que o leva a depressão.

João Cabral morreu em 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro, com 79 anos. O escritor foi vítima de um ataque cardíaco.

Academia Brasileira de Letras

Embora com extensa agenda diplomática, escreveu diversas obras, chegando ser eleito em 15 de agosto de 1968 como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), recebido por José Américo. Em seu discurso de posse homenageou o jornalista Assis Chateaubriand.

Assim, para compensar o laconismo de um “muito obrigado” e expressar meu reconhecimento de outra maneira, quero dizer que me sinto muito honrado em vir a ser um de vós. E não apenas pelo que cada um de vós representa em nossa vida intelectual como porque a Academia, que vós todos, em conjunto, constituís, é uma de nossas instituições em que se tem mantido mais vivo o respeito pela liberdade do espírito. Daí (e não sei de maior elogio que se possa fazer a um corpo de escritores, homens para quem a liberdade de espírito é condição de existência) meu empenho em declarar que, entrando para a Academia, não tenho o sentido de estar abdicando de nenhuma das coisas que me são importantes como escritor.

Na verdade, venho ser companheiro de escritores que representaram, ou representam, o que a pesquisa formal, no nível da textura e da estrutura do estilo, tem de mais experimental; escritores outros cuja obra é uma permanente, e renovada, denúncia de condições sociais que espíritos acomodados achariam mais conveniente não dar a ver; escritores que, em momentos os mais diversos de nossa história política, têm combatido situações políticas também as mais diversas; escritores que, já acadêmicos, têm julgado livremente a Academia, patronos de suas Cadeiras e membros de suas Cadeiras. E tudo isso sem que a Academia tenha procurado exercer nenhuma censura e sem que a posição de acadêmicos tenha levado esses escritores a qualquer autocensura." (Trecho do Discurso de Posse, 6 maio de 1969)

Obras

João Cabral escreveu diversas obras e segundo ele “escrever é estar no extremo de si mesmo”:

  • Considerações sobre o poeta dormindo, 1941;
  • Pedra do sono, 1942;
  • O engenheiro, 1945;
  • O cão sem plumas, 1950;
  • O rio, 1954;
  • Quaderna, 1960;
  • Poemas escolhidos, 1963;
  • A educação pela pedra, 1966;
  • Morte e vida severina e outros poemas em voz alta, 1966;
  • Museu de tudo, 1975;
  • A escola das facas, 1980;
  • Agreste, 1985;
  • Auto do frade, 1986;
  • Crime na Calle Relator, 1987;
  • Sevilla andando, 1989.

Prêmios

Por conta do seu trabalho literário, o escritor recebeu diversas homenagens e prêmios:

  • Prêmio José de Anchieta, de poesia, do IV Centenário de São Paulo;
  • Prêmio Olavo Bilac, concedido pela da Academia Brasileira de Letras;
  • Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro;
  • Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro;
  • Prêmio Bienal Nestlé, pelo conjunto de sua obra;
  • Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro "Crime na Calle Relator" (1988).

Morte e Vida Severina

Capa da primeira edição de Morte e Vida Severina

Capa da primeira edição de Morte e Vida Severina

Com forte crítica social, Morte e Vida Severina é um poema dramático que foi publicado em 1955.

Nele, o escritor retrata a saga de um retirante nordestino que sai do sertão em direção ao Sudeste do Brasil para buscar melhores condições de vida.

A obra foi adaptada para a música, teatro e cinema.

Trecho do Poema Morte e Vida Severina

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

Poemas

Confira abaixo, três poemas de João Cabral:

Fábula de um Arquiteto

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.

Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.

A Educação pela Pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

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Daniela Diana
Daniela Diana
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line.