Revolta da Vacina (1904)

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Professor de História

A Revolta da Vacina foi uma rebelião popular contra a obrigatoriedade e os métodos de aplicação da vacina anti-varíola, ocorrida no Rio de Janeiro, entre 10 e 16 de novembro de 1904.

Ela ocorreu num contexto de reformas sanitárias na cidade, lideradas pelo médico Oswaldo Cruz, que propôs a vacinação obrigatória para tentar impedir a disseminação da doença.

Os enfrentamentos envolvendo a população, agentes de saúde e a polícia duraram 6 dias e resultaram em depredações, prisões e o fim da vacinação obrigatória.

Quais foram as causas e as consequências

Quando Rodrigues Alves assumiu a presidência em 1902, o Rio de Janeiro enfrentava sérios desafios sanitários. Então capital do país, a cidade sofria com ruas estreitas e mal ventiladas, má gestão do lixo, moradias precárias e uma saúde pública ineficaz.

Dessa maneira, as doenças se espalhavam rapidamente. Para além do vírus da varíola, proliferavam-se ratos e mosquitos, transmissores de doenças fatais como a peste bubônica e a febre amarela.

Decidido a modernizar e sanear a cidade, Rodrigues Alves nomeou o engenheiro Pereira Passos para prefeito e o médico Oswaldo Cruz para Diretor da Saúde Pública. Assim, teve início uma ambiciosa reforma urbana no Rio de Janeiro, com alargamento de ruas e avenidas, enquanto também eram elaboradas medidas para o combate às doenças.

As iniciativas de reurbanização do Rio de Janeiro, no entanto, afetavam as camadas mais pobres da cidade. Estes foram desalojadas, pois tiveram seus casebres e cortiços demolidos para alargamento de ruas e construção de prédios públicos.

A população foi obrigada a mudar para longe do trabalho e para moradias ainda mais precárias nos morros, incrementando o crescimento das favelas.

Como outro resultado das demolições, os aluguéis subiram de preço, deixando a população cada vez mais indignada.

Charge sobre a Revolta da Vacina contra os políticos e o cientista Oswald Cruz
Charge: a Lei da Vacinação Obrigatória acende o pavio da revolução enquanto os políticos e Oswaldo Cruz (vestido de médico) ficam apavorados

Por sua vez, para solucionar a crise sanitária, era necessário combater o mosquito e o rato, transmissores das principais doenças, junto com o lixo acumulado pela cidade.

Primeiro, o governo anunciou que pagaria a população por cada rato que fosse entregue às autoridades. O resultado foi o surgimento de criadores desses roedores, que visavam conseguir uma renda extra.

Charge sobre a Revolta da Vacina criticando a criação de ratos
Charge do Jornal do Brasil. 11 de agosto de 1904, criticando aqueles que se aproveitaram para criar ratos apenas para receber indenizações

Devido às fraudes, o governo suspendeu a recompensa pela apreensão dos ratos.

Outra medida adotada foi a criação dos guardas “mata-mosquitos”, que circulavam pelas ruas e entravam nas casas para combater a proliferação desses insetos.

Vacinação obrigatória

O médico Oswaldo Cruz(1872-1917), contratado para solucionar a crise da saúde pública, impôs nesse contexto a vacinação obrigatória contra a varíola para todo brasileiro com mais de seis meses.

Políticos, militares de oposição e boa parte da população da cidade se opuseram à medida. Além da falta de esclarecimentos sobre a vacina, essa e outras ações de saneamento eram realizadas de forma autoritária, com invasão das casas pelos agentes sanitários acompanhados da força policial.

Ademais, num tempo em que as pessoas se vestiam cobrindo todo o corpo, mostrar os seus braços para tomar a vacina foi visto como "imoral". Assim, a insatisfação da população contra o governo foi generalizada.

A imprensa não perdoava Oswaldo Cruz, publicando charges ironizando a eficácia do imunizante.

Charge sobre a Revolta da Vacina mostrando Oswald Cruz como o algoz da população
Charge retratando o cientista Oswaldo Cruz como "esfolador" do Zé Povo

Agitadores incitavam a massa urbana a enfrentar os funcionários da Saúde Pública que, continuava a invadir as casas e vacinar as pessoas à força.

Os mais radicais pregavam a resistência à bala, alegando que o cidadão tinha o direito de preservar o próprio corpo e não aceitar aquele líquido desconhecido.

O descontentamento se generalizou, somado aos problemas de moradia e ao elevado custo de vida, resultando na Revolta da Vacina Obrigatória.

Entre 10 e 16 de novembro de 1904, as camadas populares do Rio de Janeiro saíram às ruas para enfrentar os agentes da Saúde Pública e a polícia.

O centro do Rio de Janeiro foi transformado numa praça de guerra com bondes derrubados, edifícios depredados e muita confusão na Avenida Central (atual Avenida Rio Branco).

A revolta popular teve o apoio de políticos e militares que tentaram usar a massa insatisfeita para derrubar, sem sucesso, o presidente Rodrigues Alves.

Por fim, o movimento rebelde foi dominado pelo governo, que prendeu e enviou muitas lideranças em degredo (exílio forçado) para o Acre. Em seguida, a Lei da Vacina Obrigatória foi modificada, tornando facultativo o seu uso.

Curiosidade sobre a Revolta da Vacina

A Revolta da Vacina inspirou novelas, minisséries e até uma ópera. A obra "O Cientista", do maestro brasileiro Sílvio Barbato, conta a vida de Oswaldo Cruz e dedica uma cena inteira ao acontecimento.

Vídeo sobre a Revolta da Vacina

Revolta da Vacina - Toda Matéria Ver no YouTube

Leia mais:

Referências Bibliográficas

RIO DE JANEIRO. Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A maior batalha do Rio. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2006.

SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Maria Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2013), com mestrado em Ensino de História pela mesma instituição (2020). Atua como professor de História na educação básica e em cursos pré-vestibulares desde 2013. Desde 2016, também desenvolve conteúdos educativos na área de História.