Trovadorismo

Daniela Diana
Daniela Diana
Professora licenciada em Letras

O trovadorismo é um movimento literário marcado pela produção de cantigas líricas (focadas em sentimentos e emoções) e satíricas (com críticas diretas ou indiretas).

Considerado o primeiro movimento literário europeu, ele reuniu registros escritos da primeira época da literatura medieval entre os séculos XI e XIV.

Esse movimento, que ocorreu somente na Europa, teve como principal característica a aproximação da música e da poesia.

Nessa época, as poesias eram feitas para serem cantadas ao som de instrumentos musicais. Geralmente, eram acompanhadas por flauta, viola, alaúde, e daí o nome “cantigas”.

O autor das cantigas era chamado de “trovador”, enquanto o “jogral” as declamava e o “menestrel”, além de recitar também tocava os instrumentos. Por isso, o menestrel era considerado superior ao jogral por ter mais instrução e habilidade artística, pois sabia tocar e cantar.

Todos os manuscritos das cantigas trovadorescas encontradas estão reunidas em documentos chamados de “cancioneiros”.

Em Portugal, esse movimento teve como marco inicial a Cantiga da Ribeirinha (ou Cantiga de Guarvaia), escrita pelo trovador Paio Soares da Taveirós, em 1189 ou 1198, pois não se sabe ao certo o ano em que ela foi produzida.

Escrita em galego-português (língua que se falava na época), a Cantiga da Ribeirinha (ou Cantiga de Guarvaia) é o registro mais antigo que se tem da produção literária desse momento nas terras portuguesas.

Confira abaixo um trecho dessa cantiga:

No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

Embora o trovadorismo tenha surgido na região da Provença (sul da França), ele se espalhou por outros países da Europa, pois os trovadores provençais eram considerados os melhores da época, e seu estilo foi imitado em toda a parte.

O trovadorismo teve seu declínio no século XIV, quando começou outro movimento da segunda época medieval portuguesa: o humanismo.

Contexto histórico do Trovadorismo

O trovadorismo teve origem no continente europeu durante a Idade Média, um longo período da história que esteve marcado por uma sociedade religiosa. Nele, a Igreja Católica dominava inteiramente a Europa.

Nesse contexto, o teocentrismo (Deus no centro do mundo) prevalecia, cujo homem ocupava um lugar secundário e estava à mercê dos valores cristãos.

Dessa maneira, a igreja medieval era a instituição social mais importante e a maior representante da fé cristã. Ela que ditava os valores, influenciando diretamente no comportamento e no pensamento do homem. Assim, somente as pessoas da Igreja sabiam ler e tinham acesso à educação.

Nesse período, o feudalismo era o sistema econômico, político e social que vigorava. Baseado em feudos, grandes extensões de terras comandadas pelos nobres, a sociedade era rural e autossuficiente. Nele, o camponês vivia miseravelmente e a propriedade de terra dava liberdade e poder.

Principais características do Trovadorismo

  • União da música e da poesia;
  • Recitação de poemas com acompanhamento musical;
  • Produção de cantigas líricas (que evidencia os sentimentos, emoções e percepções do autor) e satíricas (cujo objetivo é criticar ou ridicularizar algo, ou alguém);
  • Principais temas explorados: amor, sofrimento, amizade e críticas política e social.

Saiba mais sobre as Características do Trovadorismo.

O Trovadorismo em Portugal (1189 ou 1198 - 1418)

O trovadorismo português teve seu apogeu nos séculos XII e XIII, entrando em declínio no século XIV.

O ano de 1189 (ou 1198) é considerado o marco inicial da literatura portuguesa e do movimento do trovadorismo.

Essa é a data provável da primeira composição literária conhecida “Cantiga da Ribeirinha” ou “Cantiga de Guarvaia”. Ela foi escrita pelo trovador Paio Soares da Taveirós e dedicada a dona Maria Pais Ribeiro.

Na Península Ibérica, o centro irradiador do Trovadorismo aconteceu na região que compreende o norte de Portugal e a Galícia.

Desde o século XI, a Catedral de Santiago de Compostela, centro de peregrinação religiosa, atraía multidões. Ali, as cantigas trovadorescas eram cantadas em galego-português, língua falada na região.

Embora os textos em prosa tenham sido explorados no trovadorismo (novelas de cavalaria, nobiliários, hagiografias e cronicões), foi na poesia que esse movimento se destacou.

Assim, temos as poesias líricas trovadorescas, que incluem as cantigas de amor e de amigo, e as poesias satíricas, que reúnem as cantigas de escárnio e maldizer.

Principais autores do trovadorismo em Portugal

O rei D. Dinis (1261-1325) foi um grande incentivador que prestigiou a produção poética em sua corte. Foi ele próprio um dos mais talentosos trovadores medievais com uma produção de 140 cantigas líricas e satíricas.

Além dele, outros trovadores que obtiverem grande destaque em Portugal foram:

  • Paio Soares de Taveirós
  • João Soares Paiva
  • João Garcia de Guilhade
  • Martim Codax
  • Aires Teles

As cantigas do Trovadorismo

Dependendo do tema, da estrutura, da linguagem e do eu lírico, as cantigas trovadorescas são classificadas em quatro tipos: cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer.

Cantigas de amor

Originárias da região de Provença, na França, apresenta uma expressão poética sutil e bem elaborada. Os sentimentos são expressos com mais profundidade, sendo que o tema mais frequente é o sofrimento amoroso.

“Cantiga da Ribeirinha” de Paio Soares de Taveirós

No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquelha
me foi a mí mui mal di'ai!,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d'haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós houve nen hei
valía dũa correa.

Tradução

No mundo ninguém se assemelha a mim
Enquanto a vida continuar como vai,
Porque morro por vós e - ai! -
Minha senhora alva e de pele rosadas,
Quereis que vos retrate
Quando eu vos vi sem manto.
Maldito seja o dia em que me levantei
E então não vos vi feia!

E minha senhora, desde aquele dia, ai!
Tudo me ocorreu muito mal!
E a vós, filha de Dom Paio
Moniz, parece-vos bem
Que me presenteeis com uma guarvaia,
Pois eu, minha senhora, como presente,
Nunca de vós recebera algo,
Mesmo que de ínfimo valor.

Cantigas de amigo

Originárias da Península Ibérica, as cantigas de amigo constituem a manifestação mais antiga e original do lirismo português.

Nelas, o trovador procura traduzir os sentimentos femininos, falando como se fosse uma mulher. Nessa época, a palavra “amigo” significava “namorado” ou “amante”.

Cantiga “Ai Deus, se sab'ora meu amigo” de Martin Codax

Ai Deus, se sab'ora meu amigo
com'eu senheira estou em Vigo!
E vou namorada...

Ai Deus, se sab'ora meu amado
com'eu em Vigo senheira manho!
E vou namorada...

Com'eu senheira estou em Vigo
e nulhas gardas nom hei comigo!
E vou namorada...

Com'eu senheira em Vigo manho
e nulhas gardas migo nom trago!
E vou namorada...

E nulhas gardas nom hei comigo,
ergas meus olhos que choram migo!
E vou namorada...

E nulhas gardas migo nom trago,
ergas meus olhos que choram ambos!
E vou namorada...

Cantigas de escárnio e cantigas de maldizer

Esses tipos de cantigas são satíricas e irreverentes, as quais reuniam versos que criticavam a sociedade, os costumes e ridicularizavam os defeitos humanos.

Cantiga de escárnio “A Dom Foam quer'eu gram mal” de João Garcia de Guilhade

A Dom Foam quer'eu gram mal
e quer'a sa molher gram bem;
gram sazom há que m'est'avém
e nunca i já farei al;
ca, desquand'eu sa molher vi,
se púdi, sempre a servi
e sempr'a ele busquei mal.

Quero-me já maenfestar,
e pesará muit'[a] alguém,
mais, sequer que moira por en,
dizer quer'eu do mao mal
e bem da que mui bõa for,
qual nom há no mundo melhor,
quero-[o] já maenfestar.

De parecer e de falar
e de bõas manhas haver,
ela, nõn'a pode vencer
dona no mund', a meu cuidar;
ca ela fez Nostro Senhor
e el fez o Demo maior,
e o Demo o faz falar.

E pois ambos ataes som,
como eu tenho no coraçom,
os julg'Aquel que pod'e val.

Saiba mais sobre A Linguagem do Trovadorismo.

Os cancioneiros do Trovadorismo

Os Cancioneiros são coletâneas de manuscritos das cantigas trovadorescas que foram produzidas em galego-português na primeira época medieval (a partir do século XI).

Eles reúnem cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer, e que foram escritas por diversos autores.

Estes são os únicos documentos que restaram para o conhecimento das obras do Trovadorismo e, hoje em dia, podemos encontrá-los em bibliotecas da cidade de Lisboa e do Vaticano.

Os três cancioneiros que reúnem as cantigas trovadorescas são:

  1. Cancioneiro da Ajuda: constituído de 310 cantigas, esse cancioneiro se encontra na Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa, originado provavelmente no século XIII.
  2. Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa: conhecido também pelo nome em italiano, “Cancioneiro Colocci-Brancuti”, esse cancioneiro, composto de 1647 cantigas, foi compilado provavelmente no século XV.
  3. Cancioneiro da Vaticana: originado provavelmente no século XV e composto de 1205 cantigas, esse cancioneiro está na Biblioteca do Vaticano.

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Daniela Diana
Daniela Diana
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line.