Claro Enigma

Márcia Fernandes
Márcia Fernandes
Professora licenciada em Letras

Claro Enigma é uma obra composta por 42 poemas. Data de 1951 e é da autoria de Carlos Drummond de Andrade, escritor modernista brasileiro.

Inserido na Terceira Fase do Modernismo, conhecida como Pós-Modernista, foi escrito no final da década de 40. Situa-se no período histórico em que teve início a Guerra Fria.

É tendo em conta esse contexto que Drummond transmite melancolia nessa que é a sua oitava obra.

Nela, o autor regressa à forma clássica, abandonando a liberdade de criação, uma das principais tendências do Modernismo.

Resumo

Os 42 poemas constantes no livro apresentam-se distribuídos em seis partes:

I - Entre Lobo e Cão

Composta por 18 poemas, nessa parte o poeta propõe o paradoxo entre a maldade do lobo e a bondade do cão.

Sonetilho do Falso Fernando Pessoa

"Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.

Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,

eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto."

II - Notícias Amorosas

A segunda parte traz 7 poemas que tratam do amor essencial para a vida, o amor genuíno, e não o amor romântico.

"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?"

(Trecho de Amar)

III - O Menino e os Homens

Na terceira parte são 4 os poemas. Neles Drummond faz uma homenagem aos poetas Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Mário Quintana.

"As amadas do poeta, lá embaixo, na curva do rio, ordenham-se em lenta pavana, e uma a uma, gotas ácidas, desaparecem no poema. É há tantos anos, será ontem, foi amanhã? Signos criptográficos ficam gravados no céu eterno – ou na mesa de um bar abolido, enquanto debruçado sobre o mármore, silenciosamente viaja o poeta Mário Quintana."

(Trecho de Quintana's Bar)

IV - Selo de Minas

Há 5 poemas na quarta parte da obra, cuja temática é Minas Gerais, estado onde nasceu o autor, e sua família.

Nessa parte, portanto, o poeta nos remete ao seu passado.

"A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes,
Havia poucas flores. Eram flores de horta.
Sob a luz fraca, na sombra esculpida
(quais as imagens e quais os fiéis?)
ficávamos."

(Trecho de Evocação Mariana)

V - Os Lábios Cerrados

A quinta parte é composta por 6 poemas. O mote é o silêncio.

Nela o autor fala sobre a sua família, especialmente sobre os que já faleceram, por isso, estão silenciosos.

Apesar de não falarem mais, esses parentes continuam fazendo parte da sua vida. Afinal, a família é um dos principais fatores de influência na vida das pessoas.

"Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se a noite me atribui poder de fuga,
sinto logo meu pai e nele ponho
o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga."

(Trecho de Encontro)

VI - A Máquina do Mundo

Na sexta e última parte há apenas 2 poemas, dentre os quais aquele que foi escolhido como o melhor poema brasileiro do século XX.

Chama-se Máquina do Mundo e faz referência à Camões, que menciona “ a grande máquina do mundo” no canto X de Os Lusíadas.

Drummond transmite a ideia de que ele não vai usar mais a sua máquina, que é a sua poesia.

"E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar."

(Trecho de A Máquina do Mundo)

A seguir, o livro encerra-se com o poema Relógio do Rosário.

Análise

O livro transmite a tristeza e a frustração do poeta em decorrência do contexto histórico.

Drummond retoma o estilo clássico, dando importância à métrica, em vez de utilizar versos livres.

Em Claro Enigma detectamos uma característica inerente ao estilo Barroco, o fusionismo, que é a exposição das ideias contrárias.

O título da obra é o exemplo mais marcante disso. Claro Enigma reflete contraste, uma vez que claro é algo que se entende com facilidade, enquanto enigma é algo difícil que precisa ser decifrado.

Leia também Carlos Drummond de Andrade e Pós-Modernismo.

Exercícios

1. (ITA 2005) O livro "Claro Enigma", uma das obras mais importantes de Carlos Drummond de Andrade, foi editado em 1951.

Desse livro consta o poema a seguir.

Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. "Claro Enigma", Rio de Janeiro: Record, 1991.)

Sobre esse texto, é correto dizer que

a. a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças humanas; quase nada permanece.

b. a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto emocional; tudo o mais se perde.

c. a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que emocionalmente têm importância; essas permanecem.

d. a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói o mundo material; nada permanece.

e. o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a memória nada pode; tudo se perde.

Alternativa c: a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que emocionalmente têm importância; essas permanecem.

2. (PUCCAMP 2010) Valores renascentistas, como o do poder da racionalidade, e os dramas da consciência moderna, a que não falta o sentido de um impasse histórico, entram em conflito em "A máquina do Mundo", de Carlos Drummond de Andrade, já que nesse monumental poema de Claro enigma o autor

a. explora os limites do lirismo dramático de um Oswald de Andrade.

b. propõe-se a investigar os projetos nacionalistas de Mário de Andrade.

c. despoja-se da consciência histórica para realçar as mais livres fantasias.

d. ridiculariza seu destino de homem sentimental e deslocado no mundo.

e. faz frente à razão absoluta com a convicção melancólica de um indivíduo.

e. faz frente à razão absoluta com a convicção melancólica de um indivíduo.

Márcia Fernandes
Márcia Fernandes
Professora, produz conteúdos educativos (de língua portuguesa e também relacionados a datas comemorativas) desde 2015. Licenciada em Letras pela Universidade Católica de Santos (habilitação para Ensino Fundamental II e Ensino Médio) e formada no Curso de Magistério (habilitação para Educação Infantil e Ensino Fundamental I).