A Cidade e as Serras

Márcia Fernandes
Márcia Fernandes
Professora licenciada em Letras

A Cidade e as Serras é um romance de Eça de Queirós, autor do Realismo português, e pertence à terceira e última fase de sua obra.

Publicada em 1901 - no ano seguinte à morte do seu autor - o romance que tem 16 capítulos é uma crítica à vida urbana, à tecnologia e à revolução industrial.

Nessa obra, cidade versus campo é a principal temática em cena, que tem como ambiente temporal o século XIX.

Capas de três edições do livro A Cidade e as Serras
Capas de três edições do livro A Cidade e as Serras

Personagens de A Cidade e as Serras

  • Jacinto: protagonista, chamado pelo narrador de "o Príncipe da Grã-Ventura".
  • José Fernandes (Zé Fernandes): narrador e amigo de Jacinto
  • Dom Jacinto Galião: avô de Jacinto
  • Cintinho (apelido de Jacinto): pai de Jacinto
  • Grilo: criado de Jacinto em Paris
  • Joaninha: prima de José Fernandes que se casa com Jacinto
  • Tia Vicência: tia de José Fernandes

Resumo da obra A Cidade e as Serras

O romance é narrado por José Fernandes, amigo do nosso protagonista Jacinto.

A narração tem início com a apresentação de Jacinto e sua família. De origem portuguesa, Jacinto vive em Paris.

Seu avô (Jacinto Galião) havia deixado Portugal para viver na França quando D. Miguel (irmão de D. Pedro I) mudou-se para a França.

O avô de Jacinto tinha grande gratidão por D. Miguel pelo fato de ele o ter ajudado.

Cintinho, o pai de Jacinto (que também se chamava Jacinto), tinha sido uma criança doente e triste. Morreu jovem, antes de Jacinto nascer.

Jacinto foi uma criança feliz e tudo lhe corria bem. Por esse motivo, seu amigo José Fernandes o tinha apelidado de “O Príncipe da Grã-Ventura”.

José Fernandes tinha sido expulso da Universidade em Portugal e foi para a França. Tempos depois ele recebe uma carta de um tio pedindo que ele regresse a Portugal para cuidar das terras da família, pois o tio não tinha mais condições de o fazer.

José Fernandes vai e, sete anos depois, volta para Paris, onde encontra seu amigo rodeado de inovações tecnológicas: telégrafo, elevador, aquecedor, entre outros.

Ao longo do romance, são narrados episódios em que acontecem falhas nos equipamentos modernos de Jacinto na mansão onde vive, no n.º 202 dos Campos Elísios: falta de luz, problemas no elevador e no encanamento.

"-Meus amigos, há uma desgraça...

Dornan pulou na cadeira:

-Fogo? -Não, não era fogo. Fora o elevador dos pratos que inesperadamente, ao subir o peixe de S. Alteza, se desarranjara, e não se movia encalhado!

O Grão duque arremessou o guardanapo. Toda a sua polidez estalava como um esmalte mal posto: -Essa é forte!... Pois um peixe que me deu tanto trabalho! Para que estamos nós aqui então a cear? Que estupidez! E pôr que o não trouxeram à mão, simplesmente? Encalhado... Quero ver! Onde é a copa?"

Deste modo, Jacinto, que tinha crescido tão feliz, saudável, inteligente e rodeado de inovações, começa a se desiludir com a sua vida.

Então, o amigo aconselha que ele vá viver para o campo para descansar dos ares citadinos. Jacinto recusa de forma imediata.

Nesse ínterim, José Fernandes vai viajar por inúmeros lugares na Europa e sente a importância que dá às suas origens.

Por essa altura, Jacinto não tinha mais paciência com aquilo que outrora teria sido o seu prazer: festas, luxos, equipamentos modernos.

"... o 202 estourava de confortos; nenhuma amargura de coração o atormentava; - e todavia era um Triste. Pôr que?... E daqui saltava, com certeza fulgurante, à conclusão de que a sua tristeza, esse cinzento burel em que a sua alma andava amortalhada, não provinha da sua individualidade de Jacinto – mas da Vida, do lamentável, do desastroso fato de Viver! E assim o saudável, intelectual, riquíssimo, bem acolhido Jacinto tombara no Pessimismo."

Um dia, Jacinto recebe a notícia de que a igrejinha onde os restos mortais dos seus antepassados estavam tinha sido soterrada.

Dá ordens para que seja gasto o dinheiro necessário para a sua reconstrução. Quando é avisado de que a obra foi concluída resolve ir para Portugal.

Sua ida para Portugal foi preparada com três meses de antecedência. Jacinto enviou todo o mobiliário de Paris para Portugal porque queria encontrar lá o mesmo ambiente da mansão em que vivia na França.

Quando chega a Tormes (Portugal), a mudança ainda não havia chegado e ele tem de passar dias dormindo em um colchão de palha e comendo modestamente.

Desconfortável, Jacinto decide que deve passar uns tempos em Lisboa, mas ele gosta da paisagem e isso faz com que ele permaneça no campo.

Ao regressar da cidade onde tinha ido visitar sua tia, Zé Fernandes encontra o amigo bem disposto e alojado em Tormes.

O amigo não se preocupava mais com a mudança que nunca tinha chegado, pois tinha sido enviada para Tormes, na Espanha.

Um dia, Jacinto encontra uma criança pobre e a acompanha até a sua casa. A família da criança é empregada de Jacinto e ele se impressiona com a situação de miséria em que eles vivem.

Jacinto resolve ajudar e promete melhorar as condições dos seus empregados com aumento de salários e construção de infraestruturas. As pessoas se encantam e passam a expressar uma certa devoção a Jacinto.

Finalmente, Jacinto conhece uma moça chamada Joaninha, com quem se casa tempos depois.

Nessa altura, a mobília e equipamentos enviados de Paris chegam a Portugal. Com exceção de algumas coisas (o telefone, por exemplo), a maior parte é guardada no sótão.

"...uma tarde, entrou pela avenida de plátanos uma chiante e longa fila de carros, requisitados pôr toda a freguesia, e acuculados de caixotes. Eram os famosos caixotes, pôr tanto tempo encalhados em Alba de Tormes, e que chegavam, para despejar a Cidade sobre a Serra. Eu pensei: - Mau! o meu pobre Jacinto teve uma recaída! Mas os confortos mais complicados, que continha aquela caixotaria temerosa, foram, com surpresa minha, desviados para os sótãos imensos, para o pó da inutilidade; e o velho solar apenas se regalou com alguns tapetes sobre os seus soalhos, cortinas pelas janelas desabrigadas, e fundas poltronas, fundos sofás, para que os repousos, pôr que ele suspirara, fossem mais lentos e suaves. Atribuí esta moderação a minha prima Joaninha, que amava Tormes na sua nudez rude. Ela jurou que assim o ordenara o seu Jacinto. Mas, decorridas semanas, tremi. Aparecera, vindo de Lisboa, um contramestre, com operários, e mais caixotes, para instalar um telefone!"

Confira a obra na íntegra, fazendo o download do PDF aqui: A Cidade e as Serras.

Análise da Obra A Cidade e as Serras

O romance trata de uma análise à vida rural e à vida urbana. José Fernandes apoia a primeira, enquanto Jacinto, a segunda.

Jacinto não consegue se imaginar sem as modernices dos equipamentos e deseja tudo o que há de mais moderno.

Ele, que vive em Paris - considerada o centro do mundo naquela época - acredita que a felicidade do homem está na modernidade. Ao mesmo tempo, porém, ele considera-se um dependente dessa situação, o que o incomoda.

Seu regresso às origens, em Portugal - que nesse momento não progredia - faz com que Jacinto passe a valorizar a natureza e abrir mão das tecnologias.

Critica a ânsia pela modernidade, embora reconheça a sua importância. Fato que se revela quando mantém o aparelho de telefone em sua casa, na casa de seus sogros, de José Fernandes e do médico.

Para saber mais sobre a escola literária:

Exercícios

1. (Fuvest/2014) Ora nesse tempo Jacinto concebera uma ideia... Este Príncipe concebera a ideia de que o “homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E por homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados desde Teramenes, criador da roda, se torna um magnífico Adão, quase onipotente, quase onisciente, e apto portanto a recolher[...] todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e Poder...[...]

Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que[...] estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da Mecânica e da erudição. Um desses moços[...] reduzira a teoria de Jacinto[...] a uma forma algébrica: Suma ciência x Suma potência = Suma felicidade

E durante dias, do Odeon à Sorbona, foi louvada pela mocidade positiva a Equação Metafísica de Jacinto.

Eça de Queirós, A cidade e as serras.

O texto refere-se ao período em que, morando em Paris, Jacinto entusiasmava-se com o progresso técnico e a acumulação de conhecimentos. Considerada do ponto de vista dos valores que se consolidam na parte final do romance, a “forma algébrica” mencionada no texto passaria a ter, como termo conclusivo, não mais “Suma felicidade”, mas, sim, Suma

a) simplicidade.
b) abnegação.
c) virtude.
d) despreocupação.
e) servidão.

Alternativa e: servidão.

Jacinto adquiria tudo o que existia de mais moderno no seu tempo porque a sua teoria era que a felicidade vinha da potência e da ciência. Mas apesar de não lhe faltar nada, Jacinto não era feliz e obrigava-se a usar tudo o quanto adquiria:

"-Ó Jacinto, para que servem todos estes instrumentozinhos? Houve já aí um desavergonhado que me picou. Parecem perversos... São úteis?

Jacinto esboçou, com languidez, um gesto que os sublimava. -Providenciais, meu filho, absolutamente providenciais, pela simplificação que dão ao trabalho! Assim... e apontou. Este arrancava as penas velhas, o outro numerava rapidamente as ´páginas dum manuscrito; aqueloutro, além, raspava emendas... E ainda os havia para colar estampilhas, imprimir datas, derreter lacres, cintar documentos...

-Mas com efeito, acrescentou, é uma seca... Com as molas, com os bicos, às vezes magoam, ferem... Já me sucedeu inutilizar cartas pôr as Ter sujado com dedadas de sangue. É uma maçada!"

2. (Albert Einstein/2017) Jacinto, personagem do romance A cidade e as serras, de Eça de Queirós, apaixonado pela cidade de Paris e pelo conforto da vida urbana, resolve, em um determinado momento, viajar para Portugal, à cidade de Tormes. Tal decisão se dá porque

a) sente uma efusão patriótica por Tormes, sua terra natal, de onde lhe provêm as rendas para seu sustento.
b) está plenamente convencido de que apenas no contato com a natureza e com o clima das serras poderá encontrar a felicidade.
c) vê-se compelido a acompanhar a reforma de sua casa em terras portuguesas, bem como assistir à trasladação dos restos mortais dos avós, particularmente os do avô Galeão.
d) está farto da vida elegante e tecnológica de Paris e, por isso, prazerosamente, busca uma experiência nova que, infelizmente lhe resulta frustrante.

Alternativa c: vê-se compelido a acompanhar a reforma de sua casa em terras portuguesas, bem como assistir à trasladação dos restos mortais dos avós, particularmente os do avô Galeão.

O avô Galião era muito rico e, portanto, o responsável por todo o luxo de que Jacinto desfrutava na sua mansão em Paris:

"-Pois não te parece, Zé Fernandes? Não é pôr causa dos outros avós, que são vagos, e que eu não conheci. É pôr causa do avô Galião... Também não o conheci. Mas este 202 está cheio dele; tu estás deitado na cama dele; eu ainda uso o relógio dele. Não posso abandonar ao Silvério e aos caseiros o cuidado de o instalarem no seu jazigo novo. Há aqui um escrúpulo de decência, de elegância moral... Enfim, decidi. Apertei os punhos na cabeça, e gritei – vou a Tormes! E vou!... E tu vens!"

3. (PUC-SP/2016) O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, é o desenvolvimento de um conto chamado “Civilização”. Faz a oposição entre a cidade cosmopolita e a vida do campo, além de, também

a) ambientar a ação dos personagens apenas nas cidades de Tormes, aldeia portuguesa, e na civilizada Lisboa do final do século XIX.
b) narrar a história de Jacinto, um jovem muito rico, que alcança a felicidade porque tem por objetivo apenas ser o mais possível contemporâneo ao próprio tempo.
c) apresentar desde o início um narrador que tem um ponto de vista firme, qual seja, o de depreciar a civilização da cidade e de exaltar a vida natural.
d) caracterizar a vida do protagonista somente na cidade de Paris, rodeado de muita tecnologia e conhecimento e com uma vida social muito ativa e feliz.

Alternativa c: apresentar desde o início um narrador que tem um ponto de vista firme, qual seja, o de depreciar a civilização da cidade e de exaltar a vida natural.

Ao longo da narrativa, Zé Fernandes questiona a forma de vida que o seu amigo considera ser a chave da felicidade:

"-Jacinto anda tão murcho, tão corcunda... Que será, Grilo?

O venerando preto declarou com uma certeza imensa:

-S. Exª. sofre de fartura. Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente a fartura de Paris: - e na Cidade, na simbólica Cidade, fora de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava, iluminado) o homem do século XIX nunca poderia saborear plenamente a “delícia de viver”, ele não encontrava agora forma de vida, espiritual ou social, que o interessasse, lhe valesse o esforço duma corrida curta numa tipóia fácil."

Márcia Fernandes
Márcia Fernandes
Professora, produz conteúdos educativos (de língua portuguesa e também relacionados a datas comemorativas) desde 2015. Licenciada em Letras pela Universidade Católica de Santos (habilitação para Ensino Fundamental II e Ensino Médio) e formada no Curso de Magistério (habilitação para Educação Infantil e Ensino Fundamental I).