Guerra dos Mascates

Ligia Lemos de Castro
Ligia Lemos de Castro
Professora de História

A Guerra dos Mascates foi uma revolta ocorrida na Capitania de Pernambuco entre 1710 e 1711. Esse confronto envolveu dois grupos: os senhores de engenho de Olinda e os comerciantes portugueses estabelecidos no Recife, conhecidos de forma pejorativa como “mascates” devido à sua atividade comercial.

Embora os pernambucanos de Olinda, movidos por um forte sentimento de autonomia e oposição à influência portuguesa, tenham até proposto transformar a cidade em uma República independente, esse conflito não pode ser classificado como um movimento separatista.

Ainda assim, existe um debate entre os historiadores se a Guerra dos Mascates pode ser considerada um movimento nativista, já que os “mascates” eram, em sua maioria, comerciantes portugueses, e não nativos da terra.

Resumo sobre a Guerra dos Mascates

O que foi

A Guerra dos Mascates foi um conflito que ocorreu entre 1710 e 1711 na Capitania de Pernambuco, no Brasil colonial, envolvendo os senhores de engenho de Olinda e os comerciantes portugueses de Recife, chamados de "mascates".

A disputa surgiu por causa da rivalidade entre Olinda, que detinha o poder político, e Recife, que estava se tornando economicamente mais importante. O resultado foi a emancipação política de Recife e a confirmação de sua ascensão como nova capital da região.

Principais causas

  • Crise econômica do açúcar: a queda dos preços do açúcar no mercado internacional levou os senhores de engenho de Olinda a uma crise financeira.
  • Ascensão dos comerciantes de Recife: os mascates de Recife se enriqueceram e ganharam poder ao se tornarem credores dos senhores de engenho.
  • Disputa pelo poder político: a emancipação de Recife como vila, com sua própria Câmara Municipal, ameaçou o poder político de Olinda.
  • Rivalidade social e cultural: havia um conflito de interesses entre a elite tradicional de Olinda e os emergentes comerciantes de Recife, vistos como intrusos estrangeiros.

Principais consequências

  • Emancipação de Recife: Recife ganhou autonomia política e tornou-se a nova sede da Capitania de Pernambuco, diminuindo a influência de Olinda.
  • Anistia e perdão de dívidas: o rei concedeu perdão geral aos envolvidos e anulou as dívidas dos senhores de engenho de Olinda.
  • Ascensão de Recife: Recife consolidou-se como o principal centro econômico e político da região, marcando o declínio da aristocracia rural de Olinda.
  • Favorecimento da Coroa: a Coroa Portuguesa mostrou preferência pelos comerciantes portugueses, alinhando-se com os interesses de Recife.

Principais causas da Guerra dos Mascates

A Guerra dos Mascates deve ser vista como um conflito pelo poder político local, sem qualquer reivindicação social. Na realidade, foi uma disputa entre Olinda, que detinha o poder político, e Recife, detentora do poder econômico, pela supremacia na Capitania de Pernambuco.

Para entender as causas desse conflito, é importante considerar uma série de fatores econômicos e políticos que contribuíram para a rivalidade entre esses grupos.

Crise econômica dos senhores de engenho

No século XVII, a produção de açúcar era a principal atividade econômica do Brasil. Os senhores de engenho de Olinda eram os grandes produtores de açúcar, e por muito tempo, isso lhes deu grande poder e riqueza. No entanto, com a expulsão dos holandeses do Brasil em 1654, a situação começou a mudar. Os holandeses passaram a produzir açúcar nas Antilhas, ilhas do Caribe, e essa nova concorrência fez com que os preços do açúcar brasileiro caíssem drasticamente no mercado internacional.

Com a queda dos preços, os senhores de engenho de Olinda começaram a enfrentar dificuldades financeiras. Eles precisavam de dinheiro para manter seus engenhos funcionando, mas a venda do açúcar não gerava mais o lucro de antes. Por isso, muitos deles começaram a pegar empréstimos com os comerciantes portugueses de Recife, acumulando dívidas que não conseguiam pagar.

Ascensão dos comerciantes de Recife

Enquanto os senhores de engenho de Olinda enfrentavam dificuldades, os comerciantes de Recife estavam prosperando. Recife, por ser uma cidade portuária, se tornou um importante centro comercial, onde os portugueses controlavam o comércio de vários produtos, incluindo o açúcar. Esses comerciantes, conhecidos como "mascates", começaram a ganhar muita influência e poder econômico, o que incomodava os senhores de engenho de Olinda.

Além disso, os mascates também se tornaram credores dos senhores de engenho, ou seja, eles eram as pessoas a quem os produtores de açúcar deviam dinheiro. Com isso, os comerciantes de Recife passaram a ter uma posição vantajosa, pois podiam cobrar altos juros sobre essas dívidas, enriquecendo ainda mais às custas dos senhores de engenho.

Disputa pelo poder político

Na época, Olinda era a cidade mais importante da Capitania de Pernambuco e detinha o poder político, pois era lá que ficava a Câmara Municipal, responsável por tomar decisões sobre a região. Recife, por outro lado, era subordinada a Olinda e não tinha autonomia política, apesar de ser mais rica e economicamente influente.

Os comerciantes de Recife começaram a se incomodar com essa situação e, em 1709, conseguiram que a Coroa Portuguesa elevasse Recife à categoria de vila, o que significava que a cidade ganhava autonomia e poderia ter sua própria Câmara Municipal.

Essa decisão foi vista pelos senhores de engenho de Olinda como uma ameaça, pois significava que eles estavam perdendo poder político para os comerciantes de Recife.

Sentimento de injustiça e rivalidade local

Os senhores de engenho de Olinda não só se sentiam economicamente prejudicados pelos comerciantes de Recife, mas também viam essa situação como uma injustiça. Para eles, os mascates eram estrangeiros que estavam se aproveitando da crise do açúcar para ganhar poder. Havia, então, um forte ressentimento
dos senhores de engenho em relação à Coroa Portuguesa, que parecia favorecer os comerciantes portugueses em detrimento dos antigos senhores de Olinda.

Essa rivalidade entre Olinda e Recife não era apenas econômica, mas também social e cultural. Os senhores de engenho de Olinda se viam como a elite tradicional, a nobreza da terra, enquanto os comerciantes de Recife eram vistos como uma nova classe emergente, que desafiava a antiga ordem.

Tensões entre Olinda e Recife

A relação entre Olinda e Recife foi ficando cada vez mais tensa. Os senhores de engenho de Olinda, que pertenciam a uma elite rural tradicional, viam com desprezo e ressentimento o sucesso dos comerciantes portugueses de Recife, que eles chamavam de "mascates" de forma depreciativa. Esses comerciantes, por outro lado, estavam se estabelecendo como a nova elite econômica da região, controlando o comércio e as finanças locais.

Esse ressentimento aumentou ainda mais porque os senhores de engenho de Olinda passaram a depender economicamente dos comerciantes de Recife, que se tornaram seus credores, ou seja, aqueles a quem deviam dinheiro. Como muitos proprietários de Olinda não conseguiam pagar suas dívidas por causa da crise do açúcar, ficaram em uma posição difícil.

Para piorar, a Coroa Portuguesa, precisando de dinheiro, começou a vender para os mascates o direito de cobrar essas dívidas, o que fez com que os juros aumentassem e a pressão sobre os devedores de Olinda fosse ainda maior.

A rivalidade entre as duas cidades chegou ao seu ponto máximo quando, em 1703, os comerciantes de Recife conseguiram o direito de participar da Câmara Municipal de Olinda. Em 1709, a Coroa Portuguesa elevou Recife à categoria de vila, dando à cidade autonomia administrativa e política.

Para os senhores de engenho de Olinda, essa decisão da Coroa foi vista como uma traição, porque significava que Recife estava sendo oficialmente reconhecida como mais importante do que Olinda.

O conflito armado

Em 1710, a tensão finalmente virou um confronto aberto. Liderados por Bernardo Vieira de Melo e pelo Capitão-mor Pedro Ribeiro da Silva, os senhores de engenho de Olinda organizaram uma invasão a Recife. O ataque foi violento: o Pelourinho de Recife, que simbolizava a autonomia da cidade, foi destruído, e os prisioneiros foram libertados, em um claro sinal de insatisfação com a independência de Recife.


O então governador da Capitania de Pernambuco, Sebastião de Castro Caldas Barbosa, também foi alvo da fúria dos rebeldes. Considerado aliado dos mascates, foi vítima de um atentado a tiros em outubro de 1710 e acabou fugindo para a Bahia.

Mas os comerciantes de Recife não demoraram a reagir. Em 1711, os mascates, agora mais organizados e fortalecidos, contra-atacaram e invadiram Olinda, forçando os senhores de engenho a fugir. Essa escalada do conflito chamou a atenção da Coroa Portuguesa, que decidiu intervir diretamente.

Um novo governador, Félix José de Mendonça, foi nomeado para a capitania, e tropas foram enviadas para restabelecer a ordem. O cerco a Recife permaneceu durante alguns meses até o fim definitivo do conflito. A intervenção real resultou na captura de vários líderes da rebelião e na consolidação de Recife como o novo centro de poder da capitania.

Consequências da Guerra dos Mascates

Emancipação política de Recife

A guerra culminou com a elevação de Recife à condição de vila autônoma em relação a Olinda. Isso significou que Recife passou a ter sua própria Câmara Municipal, garantindo maior autonomia política e administrativa. Essa mudança foi um marco no reconhecimento da importância econômica de Recife, especialmente por seu porto, que era vital para o comércio colonial.

Transferência da sede da Capitania de Pernambuco para Recife

Em 1712, como uma forma de consolidar a nova ordem, Recife foi oficializada como a capital administrativa da Capitania de Pernambuco. Essa decisão enfraqueceu ainda mais a influência de Olinda, que antes era a cidade mais importante da região.

Anistia e perdão das dívidas

Para evitar um prolongamento das tensões e pacificar a região, o rei D. João V concedeu anistia geral aos envolvidos no conflito em 1714. Além disso, as dívidas acumuladas pelos senhores de engenho de Olinda foram perdoadas, o que ajudou a aliviar a crise financeira que havia contribuído para o início do conflito.

Declínio da aristocracia rural de Olinda

Com a ascensão de Recife e a diminuição do poder de Olinda, a aristocracia rural baseada nos senhores de engenho perdeu grande parte de sua influência política e econômica. Recife, com seus comerciantes e atividades portuárias, tornou-se o novo centro de poder na capitania, marcando a transição de uma economia agrária para uma economia mais voltada ao comércio.

Impacto nas relações locais

A Guerra dos Mascates acentuou as divisões sociais e econômicas entre Olinda e Recife. Essa rivalidade local continuou a influenciar a política e as relações sociais em Pernambuco por muitos anos, com uma disputa contínua entre a velha aristocracia rural e a nova elite mercantil.

Favorecimento da Coroa Portuguesa aos comerciantes portugueses

A forma como a Coroa Portuguesa lidou com o conflito, favorecendo os comerciantes de Recife, mostrou uma preferência clara por esse grupo, que era visto como mais alinhado aos interesses metropolitanos. Isso reforçou a percepção de que a Coroa estava mais interessada em apoiar aqueles que podiam contribuir para a arrecadação de impostos e o comércio internacional, em detrimento dos interesses dos senhores de engenho.

Para praticar: Exercícios sobre a Guerra dos Mascates (com respostas explicadas)

Para saber mais:

Referências Bibliográficas

BANDEIRA, Douglas, et. al. Revolta dos mascates. Revista Impressões Rebeldes. Universidade Federal Fluminense. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/revolta-dos-mascates/(acesso em 03/09/2024).

MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, pp.140-141.

Ligia Lemos de Castro
Ligia Lemos de Castro
Professora de História formada pela Universidade Federal de São Paulo. Especialista em Docência na Educação à Distância pela Universidade Federal de São Carlos. Leciona História para turmas do Ensino Fundamental II desde 2017.