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Movimento Negro: a história no Brasil

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Professor de História

Chama-se de movimento negro o conjunto de organizações e iniciativas que buscam garantir direitos para a população negra e combater o racismo presente na sociedade.

Hoje, o movimento negro é plural e reúne diversas pautas além do combate ao racismo. Destaca-se, por exemplo, pautas como o feminismo negro, a luta pelos direitos LGBT e a defesa da liberdade religiosa.

Na maioria dos países que viveram a escravidão, as origens do movimento negro remontam à resistência e à luta dos escravizados para transformar as condições a que foram submetidos.

No Brasil, por exemplo, suas raízes estão na própria resistência à escravidão, expressa em fugas, greves de fome e rebeliões que marcaram a luta por liberdade e dignidade.

Neste conteúdo você encontra:

O movimento negro no período colonial

No período colonial, mesmo sem existir ainda o movimento negro tal como o entendemos hoje, os africanos e afrodescendentes já lutavam em busca de liberdade e direitos. Dessa forma, podemos afirmar que as raízes dos movimentos negros contemporâneos remontam a esse período.

Nessa época, a população escravizada promovia fugas, rebeliões e lutava pela preservação de suas tradições culturais, mostrando diferentes formas de resistência.

Uma dos métodos de luta mais conhecidos foi a formação de quilombos, isto é, comunidades de escravizados fugidos. Ali viviam livres em comunidades que podiam abrigar desde poucas famílias a centenas de pessoas.

O Quilombo mais conhecido durante o período colonial foi o Quilombo dos Palmares. Ali se concentrava um grande número de escravizados fugidos que resistiram durante décadas às investidas militares portuguesas.

Palmares foi liderado por Zumbi dos Palmares que, junto com Dandara dos Palmares, se tornaria um símbolo para o movimento negro.

Da mesma forma, os cativos se reuniam em irmandades, como as de Nossa Senhora do Rosário ou de São Benedito, para se ajudarem em caso de doença e garantir enterros dignos.

Destaca-se também a Sociedade dos Desvalidos, em Salvador, que funcionava como espaço de convivência e auxílio para os negros.

Além da religião católica, é importante lembrar que o candomblé nunca deixou de ser praticado por seus adeptos. Participar das cerimônias, muitas vezes realizadas de forma clandestina, era uma forma de resistir às mudanças culturais impostas pela escravidão.

O movimento negro no Império

Ilustração de Princesa Dona Isabel recebendo um ramo de flores do filho de João Clapp
Princesa Isabel recebe um ramo de camélias, flor que simbolizava a luta pela liberdade. Charge de Ângelo Agostini. (Fonte: Revista Ilustrada, n. 495, 1888, p. 4)

Durante o século XIX, com o crescimento do movimento abolicionista, intelectuais negros passam a editar jornais e fundar associações culturais com o objetivo de reivindicar o fim da escravidão.

Escritores como José do Patrocínio, Luís Gama e as sociedades abolicionistas se organizam para exigir o fim do trabalho escravo no país.

Além disso, continuavam as fugas, as rebeliões e as associações de alforriados que juntavam dinheiro para comprar a liberdade daqueles que continuavam escravizados.

Um dos quilombos que se destaca nesta época será o Quilombo do Seixas, também conhecido como Quilombo do Leblon. Este reunia uma quantidade expressiva de escravizados que cultivavam e faziam comércio com os habitantes locais. Uma de suas senhas de identidade eram as camélias, as quais rapidamente se tornaram um símbolo do abolicionismo.

Também havia escravizados que obtinham na justiça a sua liberdade provando que haviam chegado ao Brasil após a lei ou que haviam nascido após a lei do Ventre Livre. Em suma, o segundo reinado foi rico em movimentos de resistência negra frente à escravidão.

A abolição da escravatura no Brasil ocorreu de forma gradual e sem indenização para os proprietários de escravos. Tampouco houve qualquer compensação financeira para os libertos ou um projeto de efetiva inclusão social.

O movimento negro na Primeira República

Durante a Primeira República, com o crescimento das cidades, a população negra começou a se reunir em associações de caráter cultural, com o objetivo de preservar suas tradições.

É importante lembrar que essas organizações eram regulamentadas e vigiadas pela autoridade policial. Segundo a visão preconceituosa das elites da época, a população negra era considerada a principal fonte de “desordem” na sociedade.

Um exemplo disso era o registro obrigatório para terreiros e casas de candomblé. Mesmo assim, as cerimônias podiam ser interrompidas e dispersas pela polícia com violência.

A imprensa, por outro lado, se constituirá num lugar privilegiado para o movimento negro brasileiro. Podemos citar o grupo de intelectuais negros se une para fundarem o jornal "A Alvorada", em 1907, na cidade de Pelotas (RS).

Em São Paulo, surgem vários periódicos que tratavam dos clubes e grêmios recreativos para negros. Jornais como "O Clarim d’Alvorada" (1924-1932) ou "Progresso" (1928-1931) foram importantes para a visibilidade da população negra brasileira.

As artes também desempenharam um papel fundamental na preservação da identidade e expressão cultural da população negra. Foi o caso do surgimento do choro, considerado o primeiro gênero musical brasileiro, e dos ranchos e agremiações que se formaram em torno do samba.

Em 1926, surgiu no Rio de Janeiro a Companhia Negra de Revista, integrada por nomes como Pixinguinha, Grande Otelo e Donga, entre outros. Formada inteiramente por artistas negros, a Companhia foi um marco nas artes dramáticas do Brasil.

O movimento negro na Era Vargas

Durante a Era Vargas, surgiu a primeira organização negra voltada abertamente para a política: a Frente Negra Brasileira (FNB). Fundada em 16 de setembro de 1931, em São Paulo, ela tinha como objetivo denunciar o racismo da sociedade.

A Frente Negra Brasileira editou o jornal “A Voz da Raça” e se transformou em partido político em 1936. No entanto, após o golpe de 1937, a Frente Negra Brasileira e todos os demais partidos políticos foram extintos por decisão de Getúlio Vargas.

detalhe da capa de uma edição do jornal A Voz da raça em 1883
Detalhe da capa de uma edição do jornal A Voz da Raça em 1933, editado pela Frente Negra Brasileira
Apesar de sua curta duração, a atuação da Frente Negra Brasileira deixou um legado importante para os movimentos negros que surgiriam posteriormente. No campo das artes, não podemos esquecer de mencionar o Teatro Experimental Negro, fundado por Abdias Nascimento, em 1944, que teve como expoente a atriz Ruth Souza.

O movimento negro na década de 50

Na década de 1950, o movimento negro continuou a atuar nas artes e em organizações sociais.

Além disso, a história da população negra passou a ser objeto de estudo acadêmico, especialmente por meio das obras de Florestan Fernandes, que contribuíram para o entendimento do racismo no Brasil.

É importante lembrar também da Lei Afonso Arinos, promulgada em 1951. Pela primeira vez, a discriminação por raça ou cor se tornava uma contravenção.

Embora a lei contemplasse apenas delitos cometidos em espaços públicos, a Lei Afonso Arinos reconhecia a presença do racismo e a necessidade de atuação para seu combate na sociedade brasileira.

O movimento negro na década de 60

Nos anos de 1960, o movimento negro brasileiro ganhou força influenciado pela luta dos Direitos Civis nos Estados Unidos. Nessa época, destacaram-se figuras emblemáticas como o reverendo Martin Luther King Jr., que defendia a inclusão do negro através da resistência pacífica, Malcom X e o Partido dos Panteras Negras.

O lema "Black is Beautiful" valorizava a estética negra em detrimento do modelo branco. Dessa forma, os negros e as negras defendiam parar o alisamento de cabelos, além de vestirem-se com motivos africanos para realçarem seu fenótipo ao invés de escondê-los.

Tudo isso influenciou a moda e a percepção que os negros brasileiros tinham de si mesmos também.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, líderes como Malcolm X e o movimento das Panteras Negras defendiam o uso da força como estratégia para conquistar maior participação social e política.

Suas ideias também repercutiram no Brasil, inspirando debates sobre resistência, orgulho racial e formas de lutar contra a discriminação.

Aprofunde os seus estudos sobre o que foi o Partido dos Panteras Negras: história do surgimento e o que defendiam.

O movimento negro na década de 70

A década de 70 foi marcada pelo aumento da repressão da Ditadura aos grupos políticos de esquerda e a intensa propaganda política em torno do Milagre Econômico.

No Rio de Janeiro, as discussões sobre questões raciais ganham destaque no Centro de Estudos Afro-Asiáticos, ligado à Universidade Cândido Mendes.

Dali vão sair importantes grupos como a SINBA (Sociedade de Intercâmbio Brasil-África), o IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras) e o MNU (Movimento Negro Unificado).

As discussões eram marcadas pela polaridade ideológica da época. Assim, os debates eram divididos entre as referências americanas do movimento negro e àqueles que defendiam uma aproximação com a África e sua luta de libertação colonial.

Em 1978, essas organizações vão deixar as discussões restritas aos seus membros para ganhar as ruas. Assim, em 7 de julho, surge o Movimento Negro Contra a Discriminação Racial, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.

Este movimento foi um marco para as organizações negras no Brasil, pois as aglutinou em torno de uma pauta única.

Desafiando a ditadura, os negros expuseram nas ruas o preconceito racial e social, a diferença salarial, e também demandas específicas das mulheres como o sexismo.

Ainda que muitas rupturas tenham sido registradas entre seus membros, o Movimento Negro Unificado realizaria importantes manifestações a favor da igualdade racial.

Através de sua mobilização conseguiria transformar várias reivindicações em leis como as da obrigatoriedade do ensino de História da África (promulgada em 2003) e a criminalização da discriminação racial.

O movimento negro na década de 80

Movimento Negro Abdias Nascimento
Abdias Nascimento e sua esposa, Elisa Larkin Nascimento, atual diretora do Ipeafro

Com o fim de promover a história e a memória dos negros foi criado o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros), em 1981, por Abdias Nascimento.

A missão do Instituto é valorizar e divulgar a história africana e dos negros nas escolas brasileiras produzindo material e suportes para professores e alunos.

Com a volta da democracia e a discussão de uma nova Constituição para o país, o movimento negro ganhou novo fôlego. O governo também apresentou interesse em promover estudos, institutos e leis que fomentem a igualdade racial ou ao menos diminuam a brecha existem entre brancos e negros.

Neste sentido, em São Paulo, o governo do estado cria, em 1984,o primeiro Conselho de Participação da Comunidade Negra (CPDCN), pelo governador Franco Montoro.

Já o governo federal instituiu a Fundação Cultural Palmares, em 1988, um ano bastante significativo, pois foi comemorado o primeiro centenário da Lei Áurea.

Ainda em 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã. O texto incorporou lutas históricas do movimento negro, como o reconhecimento do racismo como crime inafiançável e imprescritível. Além disso, garantiu o direito à posse das terras às comunidades remanescentes de quilombos.

Igualmente, em 1989 é promulgada a Lei 7.716/1989, por iniciativa do deputado Alberto Caó, cuja discriminação racial e étnica passa a ser crime. Em 1997 e 2012, essa lei seria revista incorporando também a intolerância religiosa ou de procedência nacional como crime.

O movimento negro no governo FHC

O presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, em 20 de novembro de 1995.

Esta iniciativa se deu com base em dados alarmantes do IBGE e IPEA, a respeito da profunda desigualdade socioeconômica entre negros e brancos.

Para comemorar este fato, neste mesmo dia representantes de várias entidades do movimento negro promoveram a Marcha Zumbi, em Brasília, que contou com a presença de 30 mil pessoas.

O movimento negro no governo Lula

O período em que o presidente Lula ocupou seus primeiros dois mandatos foi marcado por várias conquistas da sociedade civil em geral e do movimento negro em particular.

No ano de 2003 é instituída a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR) que tinha como missão promover mecanismos de inclusão social para a população negra.

Uma das bandeiras do movimento negro era a aprovação das cotas raciais em instituições de ensino federais que já vinha sendo aplicada em alguns estados.

Durante o governo Lula, houve incentivo e ampliação das políticas de cotas nas universidades públicas, por meio de programas e parcerias com os estados. Essa medida foi consolidada em âmbito nacional com a sanção da Lei de Cotas, em 2012, já no governo Dilma Rousseff.

O movimento negro no século XXI

No século XXI, o movimento negro tornou-se ainda mais plural. Além da conquista das Leis de Cotas em nível federal, o combate ao racismo passou a incluir novas pautas, como o enfrentamento do preconceito contra a mulher negra, as pessoas negras homossexuais e as pessoas trans negras.

Também ganharam destaque discussões sobre representatividade, embranquecimento e a cristianização de tradições afro-brasileiras, como a capoeira e o acarajé. Esses debates mostram que o movimento negro segue atento e ativo em defesa de suas demandas.

Outra questão fundamental é o chamado genocídio da população negra, especialmente dos jovens, que continuam sendo as principais vítimas da violência policial.

Novas lideranças e intelectuais têm surgido, em grande parte impulsionadas pela ampliação do acesso à universidade por meio das cotas. Entre elas, destacam-se Djamila Ribeiro, Núbia Moreira e a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL/RJ), brutalmente assassinada em março de 2018 por causa de suas lutas políticas.

Como em toda democracia, há também vozes divergentes dentro da própria comunidade negra. Um exemplo é o vereador paulistano Fernando Holiday (PL/SP), que defende o fim do Dia da Consciência Negra.


Linha do tempo do Movimento Negro no Brasil

Linha do tempo sobre o movimento negro.

Para praticar: Exercícios sobre o Movimento Negro Brasileiro (com gabarito explicado)

Referências Bibliográficas

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2014.

SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Maria Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2013), com mestrado em Ensino de História pela mesma instituição (2020). Atua como professor de História na educação básica e em cursos pré-vestibulares desde 2013. Desde 2016, também desenvolve conteúdos educativos na área de História.