Movimento Negro

Juliana Bezerra
Juliana Bezerra
Professora de História

O movimento negro é um fenômeno utilizado em forma de diferentes organizações para reivindicar direitos para a população negra que sofre com o racismo na sociedade.

Na maioria dos países onde os negros foram escravizados houve sempre uma tentativa de mudar a situação aos quais estavam submetidos.

Atualmente, o movimento negro é plural e reúne além das pautas como o combate ao racismo, diferentes vertentes como o feminismo, a luta pelos direitos LGBT e tolerância religiosa.

O movimento negro no Brasil tem suas raízes na própria resistência à escravidão que se manifestava através de fugas, greves de fome e rebeliões.

O Movimento Negro no período Colonial

Para escapar do trabalho forçado, os negros escravizados fugiam e se organizavam em quilombos. Ali viviam livres em comunidades que podiam abrigar desde poucas famílias a centenas de pessoas.

O Quilombo mais emblemático durante o período colonial foi o Quilombo dos Palmares. Ali se concentrava um grande número de escravos fugidos que resistiram durante muito tempo às investidas militares portuguesas. Foi liderado por alguns anos por Zumbi dos Palmares que se tornaria um símbolo para o movimento negro.

Da mesma forma, os cativos se reuniam nas irmandades como as de Nossa Senhora do Rosário ou de São Benedito, para se ajudarem em caso de doença e garantir um enterro digno.

Podemos destacar a Sociedade dos Desvalidos de Salvador que funcionava como espaço de convivência e auxílio para os negros.

Além da religião católica é preciso ter em conta que o candomblé nunca deixou de ser praticado pelos negros. Assim, participar das cerimônias, muitas vezes realizadas de forma clandestina, era um modo de resistir às mudanças culturais trazidas com a escravidão.

O Movimento Negro no Império

Movimento Negro
A Princesa Dona Isabel recebe um ramo de camélias das mãos do filho de João Clapp

Durante o século XIX, com o crescimento do movimento abolicionista, intelectuais negros passam a editar jornais e fundar associações culturais com o objetivo de reivindicar o fim da escravidão.

Escritores como José do Patrocínio, Luís da Gama e as sociedades abolicionistas se organizam para exigir o fim do trabalho escravo no país.

Além disso, continuavam as fugas, as rebeliões e as associações de alforriados que juntavam dinheiro para comprar a liberdade daqueles que continuavam escravizados.

Um dos quilombos que se destaca nesta época será o do Seixas que passará a história como Quilombo do Leblon. Este reunia uma quantidade expressiva de escravos que cultivavam e faziam comércio com os habitantes locais. Uma de suas senhas de identidade eram as camélias, as quais rapidamente se tornaram um símbolo do abolicionismo.

Também havia escravizados que obtinham na justiça a sua liberdade provando que haviam chegado ao Brasil após a lei ou que haviam nascido após a lei do Ventre Livre. Em suma, o segundo reinado foi rico em movimentos de resistência negra frente à escravidão.

A abolição da escravatura no Brasil vem de forma gradual e sem indenização para os proprietários de escravos. Tampouco houve qualquer compensação financeira para os libertos ou a inclusão social.

O Movimento Negro na Primeira República

Durante a Primeira República, com o crescimento das cidades, os negros, se reúnem em associações de caráter cultural com o fim de manter suas tradições.

É preciso lembrar que estas sempre estiveram regulamentadas e eram vigiadas de muito perto pela polícia. Afinal, era preciso manter a "ordem" que a República apregoava e os negros eram o elemento que mais apresentava perigo para provocar a "desordem".

Um exemplo claro disso é o registro obrigatório para os terreiros e casas de candomblé. Ainda assim, as cerimônias podiam ser interrompidas e dispersas pela polícia com violência.

A imprensa, por outro lado, se constituirá num lugar privilegiado para o movimento negro brasileiro. Podemos citar o grupo de intelectuais negros se une para fundarem o jornal "A Alvorada", em 1907, na cidade de Pelotas (RS).

Em São Paulo, surgem vários periódicos que tratavam dos clubes e grêmios recreativos para negros. Jornais como "O Clarim d’Alvorada" (1924-1932) ou "Progresso" (1928-1931) foram importantes para a visibilidade da população negra brasileira.

Será a arte, porém, que contará com a maior adesão dos negros como forma de preservar sua identidade, ao mesmo tempo que absorvem outras influências. É o caso do surgimento do choro, o primeiro gênero musical brasileiro e dos ranchos e agremiações em torno do samba.

Em 1926, surge no Rio de Janeiro, a Companhia Negra de Revista, integrada por nomes como Pixinguinha, Grande Otelo, Donga e muitos outros. Formada inteiramente por artistas negros, a Companhia foi um marco nas artes dramáticas do Brasil.

O Movimento Negro na Era Vargas

No entanto, a primeira organização de caráter exclusivamente político surgiu com a Frente Negra Brasileira (FNB). Fundada em 16 de setembro de 1931, em São Paulo, tinha como objetivo denunciar o racismo da sociedade.

Editou o jornal “A Voz da Raça” e se transformou em partido político em 1936. No entanto, com o golpe de 37, feito por Getúlio Vargas, foi extinto como todos os partidos políticos do período.

Movimento Negro Brasileiro
Aspecto da reunião da Frente Negra Brasileira, em 16 de setembro de 1935

Apesar da breve experiência, é preciso notar que os negros estavam envolvidos em movimentos políticos tanto de esquerda como de direita.

No campo das artes, não podemos esquecer de mencionar o Teatro Experimental Negro, fundado por Abdias Nascimento, em 1944, que teve como expoente a atriz Ruth Souza.

O Movimento Negro na década de 50

Da mesma forma, a história do negro passa a ser objeto de estudo acadêmico através das obras de Florestan Fernandes, que realiza contribuições para o entendimento do racismo no Brasil.

É importante lembrar da Lei Afonso Arinos promulgada em 1951. Pela primeira vez, a discriminação de raça ou de cor se tornava uma contravenção.

Apesar da lei contemplar somente os delitos cometidos em espaços públicos, a Lei Afonso Arinos veio mostrar o racismo escondido da sociedade brasileira.

O Movimento Negro na década de 60

Nesta época, o movimento negro brasileiro é influenciado pela luta dos Direitos Civis nos Estados Unidos. Temos figuras emblemáticas como o reverendo Martin Luther King, que defende a inclusão do negro através da resistência pacífica.

O lema "Black is Beautiful" valorizava a estética negra em detrimento do modelo branco. Dessa forma, os negros e as negras param de alisar os cabelos, vestem-se com motivos africanos e passam a realçar seu fenótipo ao invés de escondê-los.

Tudo isso influenciará a moda e a percepção que os negros brasileiros tinham de si mesmos também.

Por outro lado, líderes como Malcon X e o movimento dos "Panteras Negras" propunham o uso da violência como meio para alcançar mais participação na sociedade americana.

O Movimento Negro na década de 70

A década de 70 será marcada pelo aumento da repressão aos grupos políticos de esquerda e a intensa propaganda política em torno do Milagre Econômico.

No Rio de Janeiro, começam as discussões sobre questões raciais no Centro de Estudos Afro-Asiáticos, ligado à Universidade Cândido Mendes.

Dali vão sair importantes grupos como a SINBA (Sociedade de Intercâmbio Brasil-África), o IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras) e o MNU (Movimento Negro Unificado).

As discussões eram marcadas pela polaridade ideológica da época. Assim, os debates eram divididos entre as referências americanas do movimento negro e àqueles que defendiam uma aproximação com a África e sua luta de libertação colonial.

Em 1978, essas organizações vão deixar as discussões restritas aos seus membros para ganhar as ruas. Assim, em 7 de julho, surge o Movimento Negro Contra a Discriminação Racial, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.

Este movimento foi um marco para as organizações negras no Brasil, pois as aglutinou em torno de uma pauta única.

Desafiando a ditadura, os negros expuseram nas ruas o preconceito racial e social, a diferença salarial, e também demandas específicas das mulheres como o sexismo.

Ainda que muitas rupturas tenham sido registradas entre seus membros, o Movimento Negro Unificado realizaria importantes manifestações a favor da igualdade racial.

Através de sua mobilização conseguiria transformar várias reivindicações em leis como as da obrigatoriedade do ensino de História da África e a criminalização da discriminação racial.

O Movimento Negro na década de 80

Movimento Negro Abdias Nascimento
Abdias Nascimento e sua esposa, Elisa Larkin Nascimento, atual diretora do Ipeafro

Com o fim de promover a história e a memória dos negros foi criado o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros), em 1981, por Abdias Nascimento.

A missão do Instituto é valorizar e divulgar a história africana e dos negros nas escolas brasileiras produzindo material e suportes para professores e alunos.

Com a volta da democracia e a discussão de uma nova Constituição para o país, o movimento negro ganha força. O governo também tem interesse em promover estudos, institutos e leis que fomentem a igualdade racial ou ao menos diminuam a brecha existem entre brancos e negros.

Neste sentido, em São Paulo, o governo do estado cria, em 1984,o primeiro Conselho de Participação da Comunidade Negra (CPDCN), pelo governador Franco Montoro.

Já o governo federal institui a Fundação Cultural Palmares, em 1988, um ano bastante significativo, pois foi comemorado o primeiro centenário da Lei Áurea.

Por iniciativa do Movimento Negro Unificado, em 1986, durante a Conferência Nacional do Negro em Brasília – DF, foi concretizada a proposta de tornar crime o preconceito racial e étnico. Igualmente, foi pedida a titulação de terras de remanescentes de Quilombos.

Em 1989 é promulgada a Lei 7.716/1989, por iniciativa do deputado Alberto Caó, cuja discriminação racial e étnica passa a ser crime. Em 1997 e 2012, essa lei seria revista incorporando também a intolerância religiosa ou de procedência nacional como crime.

Veja também: Democracia Racial.

O Movimento Negro no governo FHC

O presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, em 20 de novembro de 1995.

Esta iniciativa se deu com base em dados alarmantes do IBGE e IPEA, a respeito da profunda desigualdade sócio-econômica entre negros e brancos.

Para comemorar este fato, neste mesmo dia representantes de várias entidades do movimento negro promoveram a Marcha Zumbi, em Brasília, que contou com a presença de 30 mil pessoas.

O Movimento Negro no governo Lula

O período em que o presidente Lula ocupou a presidência foi marcado por várias conquistas da sociedade civil em geral e do movimento negro em particular.

No ano de 2003 é instituída a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR) que tinha como missão promover mecanismos de inclusão social para a população negra.

Uma das bandeiras do movimento negro era a aprovação das cotas raciais em instituições de ensino federais que já vinha sendo aplicada em alguns estados.

A "Lei das Cotas" foi aprovada em 2006 e desde então é visível o aumento de negros e pardos nas universidades federais.

O Movimento Negro no século XXI

Além da consagração, em nível federal, da Leis de Cotas, o movimento negro nunca foi tão plural. Baseando-se na questão do combate ao racismo, outras discussões foram abertas como a do preconceito à mulher negra, ao homossexual negro, ao/a trans negro, etc.

Igualmente, surgem novas discussões como a "apropriação cultural", o "embranquecimento" e a cristianização de tradições afro-brasileiras como a capoeira e o acarajé, que fazem os movimentos negros continuarem alertas para suas demandas.

Outra discussão importante é o genocídio da população negra, especialmente os jovens, que são o alvo constante das batidas policiais.

Novas lideranças e intelectuais têm surgido como resultado da Lei de Cotas. Dente elas, podemos citar Djamila Ribeiro, Núbia Moreira e a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL/RJ), brutalmente assassinada por causa de suas lutas políticas em março de 2018.

Da mesma forma, como em toda democracia, existem os negros que não se alinham com estas posturas. É o caso do vereador de São Paulo Fernando Holliday (DEM/SP) que deseja revogar o dia da Consciência Negra.

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Juliana Bezerra
Juliana Bezerra
Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.