Conto: o que é, características e tipos (com exemplos)

Márcia Fernandes
Márcia Fernandes
Professora licenciada em Letras

O conto é um texto curto em que um narrador conta uma história desenvolvida em torno de um enredo - uma situação que dá origem aos acontecimentos de uma narrativa.

Há poucos personagens e poucos locais, pois como a história é breve não é possível incluir vários lugares e personagens diferentes.

Há vários tipos de contos: realistas, populares, fantásticos, de terror, de humor, infantis, psicológicos, de fadas.

A estrutura desse gênero textual é composta por quatro partes: apresentação do enredo, desenvolvimento dos acontecimentos, momento de tensão - clímax, e solução - desfecho.

Alguns exemplos de contos escritos pelos maiores contistas brasileiros são:

  • A Cartomante, de Machado de Assis
  • O Gato Vaidoso, de Monteiro Lobato
  • Presépio, de Carlos Drummond de Andrade
  • Feliz Aniversário, de Clarice Lispector
  • A Caçada, de Lygia Fagundes Telles
  • Conto de Verão n.º 2: Bandeira Branca, de Luis Fernando Verissimo
  • O Vampiro de Curitiba, de Dalton Trevisan

Características do conto

O conto apresenta as seguintes características:

  • Espaço delimitado;
  • Tempo marcado;
  • Presença de narrador;
  • Poucos personagens;
  • Enredo.

Espaço delimitado: o local em que se desenvolve a história é delimitado, como uma determinada casa, rua, parque, praça. Isso acontece pelo fato de o conto ser uma narrativa breve, em que não é possível se falar em muitos espaços diferentes.

Tempo marcado: o tempo do conto é marcado. Isso quer dizer que é possível saber em que momento a história acontece. Esse tempo pode ser:

cronológico - quando as coisas acontecem numa sequência normal, de horas, dias, anos.

psicológico - quando as coisas não acontecem numa sequência normal, mas de acordo com a imaginação do narrador ou de um personagem.

Narrador: a história do conto é contada por um narrador, que pode ser:

  • narrador observador, aquele que conhece a história, mas não participa dela.
  • narrador personagem, aquele que além de narrar a história, também é um dos seus personagens.
  • narrador onisciente, aquele que conhece a história e todos os personagens envolvidos nela.

Personagens: o conto contém poucos personagens, porque como é um texto breve, não é possível incluir muitos participantes na história. Os personagens podem ser principais ou secundários.

Enredo: o conto apresenta sempre um enredo, que é um problema ou situação que dá origem aos acontecimentos de uma história. Ele pode ser:

linear - quando os fatos seguem uma sequência lógica, ou seja: apresentação, desenvolvimento, momento de tensão - clímax, e solução - desfecho.

não linear - quando os fatos não seguem uma sequência lógica, ou seja, em vez de começar pela apresentação do problema ou da situação, pode começar pela sua solução e os acontecimentos são narrados ao longo do conto.

Tipos de contos

Dependendo da temática explorada, há diversos tipos de contos, do qual se destacam:

  • Contos realistas, os que narram situações realistas e não imaginárias.
  • Contos populares, os que narram histórias transmitidas de uma geração para outra.
  • Contos fantásticos, aqueles em que as histórias apresentam mistura de realidade com ficção e confundem os leitores com acontecimentos absurdos.
  • Contos de terror, os que narram histórias cheias de mistérios, suspense e medo.
  • Contos de humor, os que narram histórias que têm como objetivo divertir os leitores.
  • Contos infantis, os que narram histórias para crianças e que têm a intenção de transmitir uma lição moral.
  • Contos psicológicos, os que narram histórias que envolvem lembranças e sentimentos, e têm a intenção de levar o leitor a refletir.
  • Contos de fadas, os que narram histórias que envolvem príncipes e princesas, e se desenvolvem em torno de um acontecimento trágico, mas que têm um final feliz.

Os minicontos, microcontos ou nanocontos são subcategorias do conto, chamados de "contos minimalistas".

Eles são bem menores que o conto, uma vez que podem ocupar meia página, uma página, ou ser formado por poucas linhas.

Mesmo que não compartilhem da estrutura básica dos contos, esse tipo de texto tem adquirido diversas formas na atualidade, sobretudo após o movimento modernista.

Dessa forma, ele deixa de lado a estrutura fixa narrativa, privilegiando assim, a liberdade criativa dos escritores.

Estrutura do conto

A estrutura do conto é fechada e objetiva, na medida em que esse tipo de texto é formado por apenas uma história e um conflito.

Sua estrutura está dividida em três partes:

  • Introdução: nesse momento inicial, há uma breve ambientação do espaço, tempo, personagens e enredo.
  • Desenvolvimento: aqui se desenrolam os acontecimentos da história, relacionados com o problema ou a situação apresentados na introdução.
  • Clímax: quando acontece o momento de maior tensão da história.
  • Desfecho: encerramento da narrativa, em que se apresenta uma solução para o enredo.

Exemplos de conto

Trecho do conto Missa do Galo, de Machado de Assis

NUNCA PUDE entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.

A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranquilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver “a missa do galo na Corte”. A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.

— Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.

— Leio, D. Inácia.

Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.

— Ainda não foi? perguntou ela.

— Não fui, parece que ainda não é meia-noite.

— Que paciência! (...)

Trecho do conto Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector

"Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra."

Leia também:

Contos brasileiros que você tem que conhecer

Crônica

Márcia Fernandes
Márcia Fernandes
Professora, produz conteúdos educativos (de língua portuguesa e também relacionados a datas comemorativas) desde 2015. Licenciada em Letras pela Universidade Católica de Santos (habilitação para Ensino Fundamental II e Ensino Médio) e formada no Curso de Magistério (habilitação para Educação Infantil e Ensino Fundamental I).