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Filosofia africana: o que é, suas características e origem (com mapa mental)

Diogo Orsi
Diogo Orsi
Professor de Filosofia e Sociologia

A filosofia africana é o conjunto de reflexões críticas produzidas por pensadores e tradições do continente africano e de suas diásporas. Ela dialoga com cosmologias locais, histórias de colonização e processos de descolonização do saber. Longe de ser mero “folclore”, envolve debates rigorosos sobre linguagem, conhecimento, ética, política e identidade, articulando fontes orais e escritas e disputando as definições do que é “filosofar”.

É uma prática filosófica que parte de experiências e problemas históricos africanos, mas que também discute problemas humanos universais, como qualquer filosofia. O debate clássico opõe duas ênfases:

  • Etnofilosofia: busca o pensamento em provérbios, mitos e costumes, valorizando a matriz oral;
  • Universalismo ou “profissional”: exige argumentação explícita, escrita e debate entre autores.

Há ainda posições intermediárias, como a “filosofia da sagacidade” (Odera Oruka), que reconhece sábios orais com reflexão própria.

Ponto-chave: o termo “filosofia africana” não designa uma única doutrina; é um campo de debate sobre o que conta como filosofia, como formular perguntas e quais fontes são legítimas (orais, rituais, textuais).

Neste conteúdo você encontra:

Principais características

  1. Unidade na diversidade: múltiplas matrizes culturais (iorubá, akan, kongo, bantu etc.) partilham e reelaboram ideias similares (por ex., força vital, pessoa relacional, palavra atuante).
  2. Centralidade da oralidade e da “palavra atuante”: o verbo serve apenas para informar; ele faz coisas (cura, compromete, abençoa, regula). Isso revaloriza provérbios, narrativas e performances como meios filosóficos.
  3. Pessoa e comunidade (ubuntu): “eu sou porque nós somos”; a identidade é relacional, e a ética enfatiza reciprocidade, cuidado e restauração.
  4. Cosmologia dinâmica: o universo é visto como campo de forças em relação, o que afeta concepções de tempo, causalidade e responsabilidade.
  5. Pluralidade de línguas e tradução: pensar utilizando línguas africanas importa para não perder categorias locais; há amplo debate sobre escrever em línguas coloniais vs. vernáculos locais.
  6. Projeto crítico e descolonizador: desmonta o mito da “ausência de filosofia” na África, recupera autores e propõe agendas próprias (epistemologia situada, política do comum, justiça histórica).

Observação: É importante notar que, dada a sua enorme pluralidade e interesse acadêmico razoavelmente recente, os temas da filosofia africana seguem em disputa a partir do surgimento de novos estudos. Ideias como “força vital” e “cosmologia dinâmica”, por exemplo, variam muito entre povos e pensadores, sendo que autores como Hountondji e Wiredu criticam eventuais generalizações culturalistas.

O próprio conceito de “ubuntu”, fundamental a diversas filosofias africanas, varia conforme a diversidade interna das comunalidades africanas, havendo crítica a versões excessivamente românticas de ubuntu. Nesse sentido, há debates e versões “radicais” e “moderadas” de comunitarismo, que devem ser levadas em consideração.

Origem e genealogias

Antiguidades africanas: textos de sabedoria egípcios (literatura sebayt, como os “Ensinamentos de Ptah-Hotep”) já articulavam ética, prudência e arte de governar, compondo um repertório de máximas e argumentos práticos.

Alexandria, cristianismos antigos e patrística norte-africana (Santo Agostinho): cruzamento entre filosofia greco-romana e experiências africanas.

Medievo e modernidade africanos: Zera Yacob (Etiópia), Anton Wilhelm Amo (Gana/Alemanha) problematizam razão, empiria e pessoa; no século XX, Négritude (Senghor/Césaire), lutas anticoloniais (Fanon) e projetos filosófico-políticos (Nkrumah, Nyerere) marcam a filosofia africana no período.

Pós-1945 à contemporaneidade: consolidação acadêmica com escolas (nacionalista/ideológica, hermenêutica, “profissional”, conversacional) e métodos (comunitário/ubuntu; complementaridade; conversação).

Correntes, temas e problemas

  • Etnofilosofia: reconstrói “visões de mundo” de povos africanos, mas também inspira críticas, como o risco de essencialismo e falta de debate interno.
  • Nacionalista/ideológica: projetos de libertação e desenvolvimento (Nkrumah, Nyerere).
  • Sagacidade filosófica (Oruka): entrevista e valida sábios orais como autores.
  • Hermenêutica e “profissional”: interpreta tradições e escreve em diálogo com a filosofia global (Wiredu, Hountondji, Gyekye).
  • Conversacionalismo: método mais recente que privilegia a conversa filosófica como construção de conhecimento.

Alguns dos temas recorrentes em filosofia africana são a pessoa/comunidade (ubuntu), linguagem e poder, religião e razão, memória/diáspora, colonialidade, democracia e Estado pós-colonial, estética (poéticas da palavra), ética do cuidado e ancestralidade.

Filósofos e pensadores de referência

Alguns dos principais filósofos da filosofia africana são:

  • Antigo Egito (Kemet): Ptah-Hotep (ética e governo), literatura sebayt; Imhotep (conhecimento prático e saber médico).
  • Antiguidade tardia/medievo: Santo Agostinho (Norte da África) e suas reflexões sobre o tempo, vontade, interioridade; Zera Yacob (Etiópia) e sua reflexão sobre a razão e a crítica religiosa.
  • Moderna: Anton W. Amo, com a crítica ao dualismo mente-corpo e a defesa do empirismo.
  • Século XX/XXI: Senghor (Négritude), Césaire (poética/antirracismo), Fanon (descolonização), Mbiti (religião e pessoa), Wiredu (descolonização conceitual), Gyekye (tradição e modernidade), Hountondji (profissionalização), Oruka (sábios), Mbembe (necropolítica).

Importância da filosofia africana atualmente

  • Inclusão no currículo escolar: amplia repertórios culturais, combate o eurocentrismo e favorece competências de diálogo intercultural.
  • Cidadania e política: oferece conceitos para pensar comunidade, cuidado, justiça e hospitalidade.
  • Epistemologia prática: integra oralidade, escrita e performance como formas legítimas de conhecimento; ilumina debates sobre línguas, tradução e ciência aberta.

Resumo

Filosofia africana é um campo vivo, com raízes antigas e debates atuais. Ela não substitui outras tradições; conversa com elas e expande o que entendemos por razão, pessoa, comunidade e verdade.

Ao estudá-la, aprendemos que a filosofia é plural em formas (oral/escrita), temas (comunidade/força vital) e métodos (sagacidade, hermenêutica, conversação), e que a pergunta filosófica pode nascer tanto de um provérbio quanto de um tratado formal.

Mapa mental

Mapa mental sobre Filosofia Africana
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Glossário básico

Africana(o)

Pessoa ou grupo ligado historicamente ao continente africano e às suas culturas, seja vivendo na África ou nas diásporas (por exemplo, nas Américas).

Ancestralidade

Relação de respeito e continuidade com os antepassados, que são vistos como parte ativa da comunidade e da vida presente.

Colonialismo / Colonialidade

Colonialismo é o domínio político e econômico de um povo sobre outro; colonialidade é a continuação desse domínio por meio de ideias, racismo e desigualdades, mesmo depois do fim formal das colônias.

Cosmologia

Modo como um povo entende o universo: sua origem, suas forças, o lugar dos humanos, dos ancestrais e da natureza.

Diáspora

Dispersão de um povo para diferentes regiões do mundo, muitas vezes por violência, escravidão ou migração forçada, como aconteceu com africanos escravizados nas Américas.

Descolonização do saber

Processo de questionar e mudar a ideia de que só o pensamento europeu é válido, reconhecendo e valorizando formas diversas de conhecimento, como as africanas.

Etnofilosofia

Abordagem que busca a filosofia em provérbios, mitos, crenças e costumes de povos africanos, tratando essas visões de mundo como formas de pensamento filosófico.

Força vital (Ntu, axé etc.)

Ideia, presente em muitas tradições africanas, de que tudo o que existe (pessoas, natureza, espíritos) é atravessado por uma energia ou força que sustenta a vida e as relações.

Hermenêutica

Na filosofia africana, é o trabalho de interpretar criticamente textos, provérbios, rituais e práticas, buscando seus sentidos profundos e seus argumentos.

Oralidade

Forma de criar, guardar e transmitir conhecimento por meio da fala, das histórias, cantos, provérbios e rituais, não apenas por livros escritos.

Pessoa relacional

Ideia de que a pessoa não é um indivíduo isolado, mas se forma nas relações com família, comunidade, ancestrais e natureza.

Sagacidade filosófica

Corrente que reconhece como filósofos sábios e sábias das comunidades, que, mesmo sem escrever livros, conseguem argumentar, criticar e refletir de maneira rigorosa.

Ubuntu

Palavra presente em línguas bantu que expressa a ideia “eu sou porque nós somos”: a pessoa existe plenamente na relação de respeito, solidariedade e cuidado com outras pessoas.

Universalismo

Posição segundo a qual as reflexões produzidas a partir de experiências africanas também tratam de problemas humanos gerais, podendo dialogar com outras tradições filosóficas do mundo.

Visão de mundo (cosmovisão)

Conjunto de ideias, valores e práticas com que um povo entende a realidade, o tempo, a vida, a morte, a natureza e a sociedade.

Leia também: Cultura africana

Referências Bibliográficas

CLIVE, Mário. História da Filosofia Africana. [s.l.], [s.n.], [s.d.].

IMBO, Samuel Oluoch. An Introduction to African Philosophy. Lanham: Rowman & Littlefield, 1998.

LOPES, Nei; SIMAS, Luiz Antonio. Filosofias africanas: uma introdução. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.

TAMOSAUSKAS, Thiago. Filosofia Africana: pensadores africanos de todos os tempos. [s.l.], 2020.

Diogo Orsi
Diogo Orsi
Bacharel (PUC/SP) e licenciado (UniBF) em Filosofia. Mestrando em Filosofia (Unifesp), com ênfase em filosofia política contemporânea.