Poesia Marginal

Daniela Diana
Daniela Diana
Professora licenciada em Letras

A Poesia Marginal ou a Geração Mimeógrafo foi um movimento sociocultural que atingiu as artes (música, cinema, teatro, artes plásticas) sobretudo, a literatura.

Esse movimento surgiu na década de 70 no Brasil e influenciou diretamente na produção cultural do país.

Seja marginal seja herói

Leminski, um dos grandes representantes dessa geração, define o termo marginal:

Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha
”.

Resumo

Esse movimento dito "marginal", absorveu o grito silenciado pela Ditadura Militar por meio da união de diversos artistas, agitadores culturais, educadores e professores.

Assim, ele permitiu uma nova forma de divulgação da arte e da cultura brasileira, reprimida pelo sistema totalitário que vigorava no país.

Inspirado nos movimentos de contracultura, a denominação “Geração Mimeógrafo” remete justamente à sua principal característica.

Ou seja, a substituição dos meios tradicionais de circulação de obras para os meios alternativos de divulgação. Estes eram empregado pelos artistas independentes ou os “representantes da cultura marginal”.

Foi assim que os artistas envolvidos sentiram a necessidade de se expressarem e, sobretudo, divulgarem suas ideias.

A partir desse movimento revolucionário literário, a produção poética “fora do sistema” foi divulgada pelos próprios poetas a partir de pequenas tiragens de cópias.

Elas eram produzidas nos toscos folhetos mimeografados, os quais vendiam sua arte a baixo custo, nos bares, praças, teatros, cinemas, universidades, etc.

A poesia marginal era formada, em sua maioria, por pequenos textos, alguns com apelo visual (fotos, quadrinhos, etc.), absorvidos por uma linguagem coloquial (traços da oralidade), espontânea, inconsciente.

A temática cotidiana e erótica era permeada de sarcasmo, humor, ironia, palavrões e gírias da periferia.

Numa das vertentes desse movimento sociocultural e artístico, surge notadamente a “Poesia Marginal”, aquela da periferia, representando assim, a voz da minoria.

Os poetas marginais recusavam qualquer modelo literário, de forma que não se “encaixavam” em nenhuma escola ou tradição literária.

Desse movimento marginal surgem poetas que se destacaram como Chacal, Cacaso, Paulo Leminski e Torquato Neto.

No campo musical, destacam-se Tom Zé, Jorge Mautner e Luiz Melodia. Já nas artes plásticas foram Lygia Clark e Hélio Oiticica que se identificaram com o movimento.

Uma das frases mais conhecidas do artista Hélio Oiticica demostra sua proximidade com a Geração Mimeógrafo:

Seja Marginal Seja Herói

Principais Poetas e Obras

Confira abaixo os poetas e as obras que mais se destacaram na "Geração Mimeógrafo":

Cacaso (1944-1987)

Cacaso

Antônio Carlos Ferreira de Brito, conhecido como Cacaso, foi escritor, professor, crítico e letrista.

Poeta mineiro nascido em Uberaba, Cacaso foi um dos maiores representantes da poesia marginal.

Sua voz colaborou com o grito de liberdade que o país almejava diante da repressão causada pela ditadura.

Podemos notar essa temática expressa em muitos de seus versos, por exemplo no poema “Lar doce lar”:

Minha pátria é minha infância: por isso vivo no exílio”.

Deixou um grande legado para a literatura brasileira, com mais de 20 cadernos, alguns em forma de diários, com poemas, fotos e ilustrações.

Algumas obras que merecem destaque:

  • A palavra cerzida (1967)
  • Grupo escolar (1974)
  • Beijo na boca (1975)
  • Segunda classe (1975)
  • Na corda bamba (1978)
  • Mar de mineiro (1982)

Chacal (1951)

Chacal

Nascido no Rio de Janeiro, o nome “Chacal” é pseudônimo de Ricardo de Carvalho Duarte. Ao lado de Cacaso, destacou-se como poeta marginal na geração mimeógrafo.

Poeta e letrista brasileiro, Chacal mimeografou sua obra “Muito Prazer” em 1971. Outras de suas obras que merecem destaque são:

  • Preço da Passagem (1972)
  • América (1975)
  • Quampérius (1977)
  • Olhos Vermelhos (1979)
  • Boca Roxa (1979)
  • Tontas Coisas (1982)
  • Drops de Abril (1983)
  • Comício de Tudo (1986)
  • Letra Elétrika (1994)
  • Belvedere (2007)

Paulo Leminski (1944-1989)

Paulo Leminski

Poeta curitibano e grande representante da poesia marginal, Paulo Leminski Filho foi escritor, crítico literário, tradutor e professor.

Escreveu contos, poemas, haicais, ensaios, biografias, literatura infanto-juvenil, traduções e, além disso, realizou parcerias musicais.

Publicou seus primeiros poemas na revista concretista “Invenções” e colaborou com outras revistas de vanguarda.

Algumas de suas obras que merecem destaque são:

  • Catatau (1976)
  • Curitiba
  • Etcetera (1976)
  • Não fosse isso e era menos/ não fosse tanto e era quase (1980)
  • Caprichos e relaxos (1983)
  • Jesus (1984)
  • Distraídos Venceremos (1987)
  • Agora É que São Elas (1984)
  • Metamorfose, uma viagem pelo imaginário grego (1994)

Francisco Alvim (1938)

Francisco Alvim

Poeta mineiro nascido em Araxá, Francisco Soares Alvim Neto é escritor e diplomata brasileiro.

Destacou-se na poesia marginal com poemas curtos e uma linguagem coloquial. Fez parte do grupo inicial dos poetas marginais “Frenesi”, ao lado de Cacaso e Chacal. Algumas obras que se destacaram:

  • Sol dos Cegos (1968)
  • Passatempo (1974)
  • Dia sim dia não (1978)
  • Festa e Lago, Montanha (1981)
  • Poesias Reunidas (1988)
  • O Elefante (2000)
  • O Metro Nenhum (2011)

Torquato Neto (1944-1972)

Torquato Neto

Poeta piauiense, Torquato Pereira de Araújo Neto foi escritor, jornalista, cineasta (ator e diretor) e letrista de música popular.

Organizou a revista de poesias vanguardistas “Navilouca” (1974) e participou dos movimentos de contracultura como a Tropicália, o Concretismo e a Poesia Marginal.

Nas palavras do artista:

Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar”.

Sua obra que mais se destacada, disposta em dois volumes é: “Torquatália: do lado de dentro” e "Geleia Real”, publicada postumamente, em 2005. Com apenas 28, Torquato cometeu suicídio na cidade do Rio de Janeiro.

Ana Cristina César (1952-1983)

Ana Cristina César

Poetisa, tradutora e crítica literária carioca, Ana Cristina César é considerada uma das principais figuras femininas da geração mimeógrafo.

Suas publicações de edições independentes que merecem destaque são: “Cenas de Abril” e “Correspondência Completa”.

Além dessas, outras obras que se destacaram:

  • Luvas de Pelica (1980)
  • Literatura não é documento (1980)
  • A Teus Pés (1982)
  • Inéditos e Dispersos (1985)

Ana se suicida no Rio de Janeiro quando tinha 31 anos, se atirando da janela de seu quarto .

Nicolas Behr (1958)

Nicolas Behr

Nicolas Behr é poeta brasileiro nascido em Cuiabá. Foi um grande representante da Geração mimeógrafo e da Poesia Marginal. Lançou sua primeira obra mimeografada em 1977, intitulada “Iogurte com farinha”.

Outras obras que merecem destaque são:

  • Grande Circular (1978)
  • Caroço de Goiaba (1978)
  • Chá com Porrada (1978)
  • Com a Boca na Botija (1979)
  • Brasiléia Desvairada (1979)
  • L2 Noves Fora W3 (1980)
  • Porque Construi Braxília (1993)
  • Segredo Secreto (1996)
  • Umbigo (2001)

Exemplos de Poesia Marginal

Segue abaixo alguns exemplos notórios da poesia marginal:

Rápido e Rasteiro (Chacal)

Vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.

Cogito (Torquato Neto)

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

Soneto (Ana Cristina César)

Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu

Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida

Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina

E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?

Receita (Nicolas Behr)

Ingredientes:
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos beatles
Modo de preparar
dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração
leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos de gerações
às esperanças perdidas
corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos beatles
o mesmo processo usado com os sonhos
eróticos mas desta vez deixe ferver um
pouco mais e mexa até dissolver
parte do sangue pode ser substituído
por suco de groselha
mas os resultados não serão os mesmos
sirva o poema simples ou com ilusões.

Leia também:

Daniela Diana
Daniela Diana
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line.