A Hora da Estrela de Clarice Lispector

Daniela Diana
Daniela Diana
Professora licenciada em Letras

A Hora da Estrela” é o último romance da escritora brasileira Clarice Lispector, publicado em 1977. Trata-se de uma obra instigante e original, de cunho autobiográfico, pertencente à Terceira Geração Modernista.

É classificada como um romance intimista, também conhecido como romance psicológico, estilo em que a autora se destaca. Afinal, a obra de Clarice é marcada por suas emoções e sentimentos pessoais.

Capa do livro e cartaz do filme A hora da estrela
Capa do livro (à esquerda) e cartaz do filme (à direita) de A Hora da Estrela

Resumo do livro A Hora da Estrela

A história é narrada por Rodrigo S.M. (narrador-personagem), um escritor à espera da morte. Ele é uma das peças-chave do livro. Ao longo da obra ele reflete os seus sentimentos e os de Macabéa, a protagonista da obra.

Nordestina órfã de pai e mãe, e criada por uma tia que a maltratava muito, Macabéa é uma alagoana pobre de 19 anos que possui um corpo franzino e só come cachorro-quente. Além disso, ela é feia, virgem, tímida, solitária, ignorante, alienada e de poucas palavras.

Quando vai morar no Rio de Janeiro, consegue um emprego de datilógrafa na cidade. Chega a ser despedida pelo patrão, seu Raimundo, que por fim, tem compaixão de Macabéa, deixando-a permanecer com o trabalho.

No Rio de Janeiro, Macabéa mora numa pensão e divide o quarto com quatro moças. Todas elas são balconistas das Lojas Americanas e chamadas de “as quatro Marias”: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria.

Um de seus maiores prazeres nas horas vagas é ouvir seu rádio relógio, emprestado por uma das Marias.

Mesmo destituída de beleza, Macabéa (ou Maca, seu apelido) consegue encontrar um namorado, o nordestino ambicioso e metalúrgico Olímpico de Jesus Moreira Chaves. O namoro termina quando Glória, ao contrário de Macabéa, bonita e esperta, rouba seu namorado.

Quando vai à Cartomante, uma impostora chamada Madame Carlota, Macabéa descobre por meio das cartas sua “sorte”. No entanto, ao sair de lá, atravessa a rua muito contente pelas palavras que acabara de ouvir, sendo atropelada por um Mercedes Benz amarelo.

É ali que ocorre sua "hora da estrela", o momento em que todos a enxergam e ela se sente uma estrela de cinema. A obra possui uma grande ironia em seu término, visto que só no momento da morte é que Macabéa obtém a grandeza do ser.

Análise do livro A Hora da Estrela

Em A Hora da Estrela Clarice projeta suas angústias e medos pouco antes de falecer. Isso, claro, sem deixar marcada uma de suas singularidades como escritora: o aprofundamento psicológico das personagens.

Assim, projetada na figura do narrador-personagem onisciente fictício, Rodrigo S.M., Clarice termina sua obra expressando seu incômodo sobre a morte:

“E agora — agora só me resta acender um cigarro e ir para casa.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre.
Mas — mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.”

Na “Dedicatória do autor” Clarice afirma:

"Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta resposta. Resposta esta que alguém no mundo ma dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.”

Após a Dedicatória, Clarice enumera os vários possíveis títulos que a escritora pensou para sua obra:

Possíveis títulos para A hora da estrela
Imagem de um livro com as possibilidades de títulos indicadas por Clarice Lispector

Trechos do livro A Hora da Estrela

Para compreender melhor a linguagem utilizada no livro, segue abaixo alguns trechos da obra:

Talvez a nordestina já tivesse chegado à conclusão de que a vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo, mesmo alma rala como a sua. Imaginavazinha, toda supersticiosa, que se por acaso viesse alguma vez a sentir um gosto bem bom de viver – se desencantaria de súbito de princesa que era e se transformaria em bicho rasteiro. Porque, por pior que fosse sua situação, não queria ser privada de si, ela queria ser ela mesma. Achava que cairia em grave castigo e até risco de morrer se tivesse gosto. Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos, gastando pouco de sua vida para esta não acabar. Essa economia lhe dava alguma segurança pois, quem cai, do chão não passa. Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: Quem sou eu? Assustou-se tanto que parou completamente de pensar.”

Todas as madrugadas ligava o rádio emprestado por uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem baixinho para não acordar as outras, ligava invariavelmente para a Rádio Relógio, que dava “hora certa e cultura”, e nenhuma música, só pingava em som gotas que caem – cada gota de minuto que passava. E sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comerciais – ela adorava anúncios. Era rádio perfeita pois também entre os pingos do tempo dava curtos ensinamentos dos quais talvez algum dia viesse a precisar saber. Foi assim que aprendeu que o Imperador Carlos Magno era na terra dele chamado Carolus. Verdade que nunca achara modo de aplicar essa informação. Mas nunca se sabe, quem espera sempre alcança. Ouvira também a informação de que o único animal que não cruza com filho era o cavalo.

— Isso, moço, é indecência, disse ela para a rádio.”

Aí Macabéa disse uma frase que nenhum dos transeuntes entendeu. Disse bem pronunciado e claro:

— Quanto ao futuro.

Terá tido ela saudade do futuro? Ouço a música antiga de palavras e palavras, sim, é assim. Nesta hora exata Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.

O que é que estou vendo agora e que me assusta? Vejo que ela vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando no âmago: vitória!

E então — então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida.”

Confira a obra na íntegra, fazendo o download do PDF aqui: A hora da Estrela.

Filme A Hora da Estrela

Cena do filme A hora da estrela
Cena do filme A hora da estrela

Dirigido por Suzana Amaral, a obra de Clarice foi transformada em longa-metragem no ano de 1985.

O drama “A Hora da Estrela” ganhou diversos prêmios: Festival de Berlim (1986), Festival de Brasília (1985) e Festival de Havana (1986).

Saiba mais sobre Clarice Lispector assistindo esse vídeo

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Exercícios sobre o livro

1. (Fuvest) “A ação desta história terá como resultado minha transfiguração em outrem (…)”.
Neste excerto de A hora da estrela, o narrador expressa uma de suas tendências mais marcantes, que ele irá reiterar ao longo de todo o livro. Entre os trechos abaixo, o único que NÃO expressa tendência correspondente é:

a) “Vejo a nordestina se olhando ao espelho e (…) no espelho aparece o meu rosto cansado e barbudo. Tanto nós nos intertrocamos”.
b) “é paixão minha ser o outro. No caso a outra”.
c) “Enquanto isso, Macabéa no chão parecia se tornar cada vez mais uma Macabéa, como se chegasse a si mesma”.
d) “Queiram os deuses que eu nunca descreva o lázaro porque senão eu me cobriria de lepra”.
e) “Eu te conheço até o osso por intermédio de uma encantação que vem de mim para ti”.

Alternativa c: “Enquanto isso, Macabéa no chão parecia se tornar cada vez mais uma Macabéa, como se chegasse a si mesma”.

2. (Fuvest) Sobre o narrador de A hora da estrela, de Clarice Lispector, pode-se afirmar que:

a) é do tipo observador, pois revela não ter conhecimento sobre o que se passa no universo sentimental e psíquico da personagem (Macabéa).
b) é onisciente, pois assume o papel de criador de uma vida, sobre a qual detém todas as informações; o poder da onisciência é, para ele, fonte de satisfação, pois Rodrigo S. percebe que os fatos dependem de seu arbítrio.
c) é do tipo observador, pois limita-se a descrever superficialmente as emoções de Macabéa, o que fica evidente nas ocorrências enigmáticas do termo “explosão“, apresentado sempre entre parênteses.
d) constitui-se como um personagem, pois narra em primeira pessoa; não há, entretanto, referências à sua história pessoal, visto que seu objetivo é falar sobre um personagem de ficção (Macabéa).
e) é um dos personagens do livro; entretanto, ao apresentar-se não só como narrador, mas também como criador da história, problematiza a essência da literatura de ficção, que reside na recriação arbitrária do real.

Alternativa b: é onisciente, pois assume o papel de criador de uma vida, sobre a qual detém todas as informações; o poder da onisciência é, para ele, fonte de satisfação, pois Rodrigo S. percebe que os fatos dependem de seu arbítrio.

3. (PUC-RS) ___________, a personagem de Clarice Lispector em A hora da estrela, é uma nordestina, pobre, feia, sem vida interior, incapaz de manter a relação com o namorado.
Sua “hora da estrela” só acontece quando sai feliz e distraída da cartomante e ___________.
No romance, os problemas existenciais estão relacionados às ___________ da moça.

As lacunas podem ser correta e respectivamente preenchidas por:

a) Gabriela – é assassinada e desaparece – crenças religiosas.
b) Macabéa – é atropelada e morre – condições socioculturais.
c) Aurora – encontra Fernando e casa – debilidades físicas.
d) Capitu – é atropelada mas salva-se – dificuldades financeiras.
e) Diadorim – volta ao sertão e vive só – necessidades econômicas.

Alternativa b: Macabéa – é atropelada e morre – condições socioculturais.

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Daniela Diana
Daniela Diana
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line.