Apartheid (África do Sul): entenda o que foi e como terminou

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Professor de História

O Apartheid (em africâner, "segregação") foi um regime de separação racial ocorrido na África do Sul de 1948 a 1994.

O Apartheid privilegiava a elite branca do país e excluía os negros e outras minorias dos espaços públicos, da educação de qualidade e dos principais postos de trabalho.

O regime começou a ruir através da pressão internacional, dos protestos internos e graças à liderança de Nelson Mandela.

O apartheid chegou ao fim em 1994.

História do Apartheid na África do Sul

Os holandeses foram os primeiros europeus a constituírem colônias no sul do continente africano e empregavam em suas plantations o trabalho escravo dos autóctones.

Por conseguinte, a colônia do Cabo passou às mãos do Reino Unido em 1795. Os britânicos aboliram a escravidão na região em 1834, mas isso não significou a aquisição de direitos civis. Em 1892, o direito ao voto era baseado no nível de instrução e nos recursos financeiros que possuíam. Esta medida atingia diretamente a população negra.

No ano de 1894, os indianos foram privados de seu direito de voto e, em 1905, ocorre o mesmo com os negros. Também estes têm sua circulação restringida a determinadas áreas.

Entre 1899 e 1902, ocorre a chamada Guerra do Bôeres. Estes eram os descendentes de holandeses que haviam permanecido na África e que não encontravam espaço na administração britânica.

Após terríveis combates, os bôeres são derrotados e submetidos pelos ingleses. Após as desavenças, ambas as partes negociam e, em 1910, estabelecem uma Constituição para a região, criando a "União Sul-Africana". Neste país, os brancos teriam privilégios e os negros seriam apartados da vida civil.

Esta política abre espaço para o regime do Apartheid, mas ganhou a oposição do Congresso Nacional Africano, partido político criado em 1912 para defender os direitos dos negros.

Portanto, as raízes do regime de segregação racial iniciaram-se no período colonial. Contudo, foi somente a partir das eleições de 1948, que o apartheid foi oficializado através da nova legislação, que passou a classificar e separar os habitantes em grupos raciais como "negros", "brancos" ou "de cor".

Do ponto de vista ideológico, o Apartheid nasceu do conceito racista de suposta superioridade racial branca, defendido na Europa no século XIX e início do século XX. Na África do Sul, isto se materializou no estabelecimento de um governo e um conjunto de leis que regulamentava a segregação e desigualdade racial na África do Sul.

Somente em 1990, num processo iniciado pelo presidente Frederik Willem de Klerk, começaram oficialmente as negociações para acabar com o regime racista do Apartheid. São realizadas eleições democráticas em 1994, que foram vencidas pelo Congresso Nacional Africano, sob o comando de Nelson Mandela.

O Apartheid e as nações do mundo

Nos finais da década de 1940 e início da 1950, o regime do Apartheid encontrou certo apoio de importantes governos ocidentais, como os Estados Unidos e a França. Na época, o mundo vivia a Guerra Fria, e como o governo sul-africano adotava um discurso anticomunista, acabou atraindo a tolerância e certa simpatia das potências ocidentais.

No entanto, o Apartheid acarretou violência e um movimento de resistência interna, o que levou a uma gradual mudança de posicionamento desses países.

Um dos protestos mais violentos foi o realizado contra as Leis do Livre Trânsito, em 21 de março de 1960, o qual acabou em tragédia, matando 69 manifestantes e ferindo 180. Este episódio ficou conhecido como o “Massacre de Sharpeville”.

Como consequência, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em 6 de novembro de 1962, a "Resolução 1761". Nela, se reprovava as práticas racistas do regime sul-africano e pedia aos membros da ONU que cortassem relações militares e econômicas com a África do Sul.

Entre 1960 e 1980, o isolamento diplomático da África do Sul foi se intensificando, o que resultou numa queda de investimentos estrangeiros no país. Além disso, esse país passou a ser proibido de participar em competições esportivas internacionais.

Em consequência, em 1984, algumas reformas foram introduzidas, sem muito resultado. Entre 1985 e 1988, eventos de extrema violência contra os povos oprimidos tornam-se corriqueiros, mas leis de censura impedem a mídia de divulgá-los.

Nelson Mandela contra o Apartheid

O personagem mais icônico que lutou contra o regime do Apartheid foi Nelson Mandela (1918-2013). Mandela militou no Congresso Nacional Africano, liderando a ala jovem do partido, realizando atos de sabotagem e promovendo greves.

Julgado por traição em 1963 e condenado à pena de prisão perpétua na Ilha Robben, cumpriria 27 anos de cárcere.

Com a abertura política e anistia, foi liberto e eleito presidente, conduzindo o processo de redemocratização da África do Sul.

As Leis do Apartheid

  • Lei de Terras Nativas (1913): divide a posse da terra na África do Sul por grupos raciais. Acabou confinando cinco milhões “nativos” (negros e outras minorias) a uma área correspondente a cerca de 13% do território do país;
  • Lei sobre Nativos em Áreas Urbanas (1918): obriga os negros a viverem em locais específicos das cidades e zonas urbanas;
  • Lei de Proibição dos Casamentos Mistos (1949): torna ilegal o casamento entre pessoas brancas e não-brancas;
  • Lei de Registro Populacional (1950): formalizou a divisão racial através da introdução de um cartão de identidade diferenciado por raças;
  • Lei de Áreas de Agrupamento (1950): dividiu as áreas urbanas entre os diferentes "grupos raciais", privilegiando os brancos em detrimento dos demais;
  • Lei de Auto-Determinação dos Bantu (1951): cria fundamentos governamentais distintos para cidadãos negros;
  • Lei de Reserva dos Benefícios Sociais (1953): determina quais locais e serviços públicos poderiam ser frequentados por cada raça.

Como era praticado o Apartheid

  • A candidatura de não-brancos era recusada e eles não podiam votar;
  • Os negros eram proibidos de exercer diversos trabalhos e não podiam empregar trabalhadores brancos;
  • A terra destinada aos negros (chamadas de bantustões) era, geralmente, insuficiente, improdutiva e não permitia a subsistência digna;
  • A educação para os negros era de péssima qualidade e voltada ao mercado de trabalho braçal;
  • Trens e ônibus eram segregados, bem como as praias, piscinas públicas e bibliotecas e cinemas.

Fim do Apartheid

Na década de 1990, mudanças internas significativas começam a desmontar o regime do Apartheid na África do Sul. Contudo, esse modelo só terminou definitivamente em 1994, quando Nelson Mandela ascendeu ao cargo de Presidente da África do Sul.

Apesar dessa importante vitória, problemas como a miséria, a injustiça e a desigualdade entre brancos e negros ainda são comuns no país.

Após a eleição de Mandela, parte da população branca, receosa a ataques e descontente com as mudanças políticas, resolveram deixar o país, com medo da violência inter-racial.

Mandela deixou bem claro que sua intenção não era criar outro regime segregacionista, separando a minoria branca da maioria negra. A ideia era proporcionar uma sociedade igualitária, independente do credo, religião, cor, etc.

Apesar de muitas questões terem sido resolvidas, com a inclusão dos negros na política e economia, a insatisfação da população persiste. Afinal, os negros ainda têm os piores índices de condições de vida, desigualdade econômica, social, cultural, e o desemprego cresce a cada ano.

Para tanto, estudos apontam que o problema da desigualdade racial é uma realidade que persiste na África do Sul. Além dos negros, é importante ressaltar que imigrantes chineses e indianos, sofreram também com o regime do Apartheid, e ainda hoje, lidam com a xenofobia no país.

Guardada as devidas proporções, podemos comparar a herança do Apartheid, com o racismo no Brasil. O preconceito racial no País tem origem no sistema escravista que imperou por mais de 300 anos (1530 - 1888). Suas consequências estão presente até hoje nos índices de desigualdade social entre brancos e negros.

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Referências Bibliográficas

PEREIRA, Analúcia Danielevicz. Apartheid: apogeu e crise do regime racista na África do Sul (1948-1994). In: MACEDO, JR., org. Desvendando a história da África [online]. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. Diversidades series, pp. 139-157.

PEREIRA, Francisco José. Apartheid: o horror branco na África do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1989.

VAINFAS, Ronaldo [et al.]. História – Volume Único. São Paulo: Saraiva, 2014.

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2013), com mestrado em Ensino de História pela mesma instituição (2020). Atua como professor de História na educação básica e em cursos pré-vestibulares desde 2013. Desde 2016, também desenvolve conteúdos educativos na área de História.