Exercícios de interpretação de texto (sonetos de Gregório de Matos Guerra)

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Português e Literatura

Confira a seguir exercícios de interpretação de texto envolvendo os sonetos do poeta barroco Gregório de Matos Guerra.

Questão 1

Leia o soneto a seguir.

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Antes, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

O soneto de Gregório de Matos:

a) expressa uma relação de submissão entre o sujeito e a figura divina.

b) trabalha uma relação contratual entre o indivíduo e a figura divina.

c) denota o desejo do eu-lírico em negar o perdão divino.

d) apresenta uma figura divina que pede o perdão do sujeito.

e) contém referência clara aos pastores arcades e à relação deles com o divino.

Gabarito explicado

No soneto, o eu-lírico reconhece seus pecados, mas argumenta que, justamente por ter pecado tanto, Deus tem mais motivos para perdoá-lo, como se houvesse uma espécie de "contrato moral" ou uma lógica de compensação. Assim, entende-se que quanto maior o pecado, maior o perdão e, portanto, maior a glória de Deus ao redimir o pecador. Essa lógica revela uma tentativa de negociação com o divino, o que vai ao encontro da proposta Barroco do autor, na qual o homem alcança a figura divina pelo pecado.

Questão 2

Leia o soneto a seguir.

Descreve com galharda propriedade o labirinto confuso de suas desconfianças

Ó caos confuso, labirinto horrendo,
Onde não topo luz, nem fio achando;
Lugar de glória, aonde estou penando;
Casa da morte, aonde estou vivendo!

Oh voz sem distinção, Babel tremendo;
Pesada fantasia, sono brando;
Onde o mesmo que toco, estou sonhando;
Onde o próprio que escuto, não o entendo;

Sempre és certeza, nunca desengano;
E a ambas pretensões com igualdade,
No bem te não penetro, nem no dano.

És ciúme martírio da vontade;
Verdadeiro tormento para engano;
E cega presunção para verdade.

A respeito da estrutura do poema, é correto afirmar:

a) a confusão manifesta-se em ideias contrária, como nos versos finais dos quartetos.

b) a presunção manifesta-se a partir da relação de imagens semelhantes, como na primeira estrofe.

c) a imagem de Babel é metaforizada no poema, como expressa o sexto verso.

d) o labirinto é resolvido no poema, como indica a primeira estrofe do soneto.

e) os hipérbatos aparecem nos tercetos como única referência à presunção.

Gabarito explicado

Analisando o poema, entende-se que alternativa A é correta porque o poema expressa a confusão emocional do eu-lírico por meio de ideias contrárias, como nos versos “Lugar de glória, aonde estou penando” e “Casa da morte, aonde estou vivendo”, revelando o paradoxo do ciúme.

A alternativa B está incorreta porque a primeira estrofe não apresenta imagens semelhantes, mas sim contrastes e paradoxos, reforçando a ideia de conflito interior. Já a opção C está errada pois, embora o poema mencione "Babel", a imagem não é elaborada como metáfora ao longo do texto, trata-se apenas uma referência direta à confusão de línguas.

A alternativa D é incorreta porque o labirinto não é resolvido, ao contrário, permanece ao longo de todo o soneto, reforçando a angústia do sujeito. Por fim, a alternativa E está equivocada ao afirmar que os hipérbatos (inversões sintáticas) aparecem somente nos tercetos e como única referência à presunção. Essas construções ocorrem em outras partes do poema e não se limitam a esse efeito específico.

Questão 3

Leia o soneto a seguir, de Gregório de Matos.

À mesma D. Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, Que me tenta, e não me guarda.

A partir da leitura do poema, assinale a alternativa correta.

a) O eu-lírico constrói uma imagem da amada como símbolo puramente celestial e protetor.

b) O poema é uma crítica religiosa à veneração de imagens femininas como santas.

c) A figura feminina é exaltada, mas ao mesmo tempo responsabilizada pela tentação do eu-lírico.

d) O soneto desenvolve a ideia de que os anjos terrenos podem substituir os divinos.

e) O eu-lírico rejeita a figura da mulher por representar o pecado e a perdição.

Gabarito explicado

O soneto exalta D. Ângela com imagens celestiais e florais, chamando-a de “Anjo” e “Angélica”, o que expressa admiração e idealização. No entanto, o tom irônico e ambíguo surge nos versos finais, quando o eu-lírico afirma que, embora ela seja um anjo, “me tenta, e não me guarda”, ou seja, em vez de protegê-lo, ela é a causa da sua tentação.

Questão 4

Leia o soneto com atenção.

A cada canto um grande conselheiro

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres*,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

*homens nobres: refere-se à elite branca da época.

Depreende-se da leitura do poema um(a):

a) elogio à diversidade social da cidade de Salvador, destacando a convivência entre diferentes grupos.

b) sátira ao comportamento hipócrita e à corrupção generalizada na sociedade baiana.

c) apresentação da cidade da Bahia como exemplo de organização e justiça social.

d) crítica apenas às classes mais pobres, responsabilizando-as pela decadência da cidade.

e) elogio aos conselheiros e comerciantes como pilares morais da sociedade baiana.

Gabarito explicado

O poema de Gregório de Matos apresenta uma visão mordaz da cidade da Bahia colonial. Com tom satírico, o eu-lírico critica diversos grupos sociais: os "grandes conselheiros" que não sabem governar nem a própria casa, os "olheiros" fofoqueiros que vigiam os vizinhos, os "mulatos desavergonhados" que desafiam a hierarquia racial e social, e a desigualdade econômica refletida na frase “todos os que não furtam muito pobres”. Trata-se de uma denúncia da hipocrisia, da corrupção e da inversão de valores.

Questão 5

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Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Língua Portuguesa e Literatura formado pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando na área de Pedagogia (FE-USP). Atua, desde 2017, dentro da sala de aula e na produção de materiais didáticos.