Exercícios sobre a filosofia da ciência (com gabarito)
A filosofia da ciência busca compreender como o conhecimento científico é produzido, validado e transformado ao longo do tempo. Para ajudar nos estudos desse tema, reunimos uma série de questões com gabarito explicado, abordando autores, conceitos e debates centrais da área. Esse material é uma ótima oportunidade para revisar conteúdos e praticar, seja para provas escolares, Enem ou vestibulares.
Questão 1
Leia os textos e responda:
Texto I
“A filosofia da ciência reduziu-se à epistemologia da ciência (ou concentrou-se nela, como se preferir) em virtude de um percurso histórico [...]. Isso não significa, contudo, que ela não possa extrapolar os limites da epistemologia. Isso por várias razões. Uma delas consiste em que na filosofia não há fronteiras insuperáveis entre as suas diversas subáreas. Um problema ontológico pode conduzir a questões epistemológicas (e vice-versa). (CUPANI, A. O. Filosofia da Ciência. Florianópolis: FILOSOFIA/EAD/ UFSC, 2009).
Texto II
“A filosofia da ciência tem como objetivos analisar o modo como se estruturam os conhecimentos científicos, podendo-se tratar de aspectos lógicos, sociológicos, políticos e éticos, assim como também indagar pelos procedimentos metodológicos de verificação, de validação, de justificação, nas ciências formais, naturais, humanas e sociais, o que permite à filosofia uma interdisciplinaridade com outras ciências” (CASTRO, 2008, p. 194-195).
É dessa forma que encontramos o termo “epistemologia” utilizado frequentemente com o sentido de filosofia da ciência e, nesse caso, tendo o mesmo significado da expressão “teoria da ciência”. Mas, como já dissemos, o termo “epistemologia” também é, por vezes, empregado para designar uma disciplina filosófica que trata do conhecimento em geral, e não apenas do conhecimento contido nas ciências, a disciplina também denominada tradicionalmente teoria do conhecimento. E, por vezes, este parece ser o uso que tem se tornado mais comum para o termo (DUTRA, 2017, p. 11-12)”. (SILVA, E. E. Epistemologia e Filosofia da Ciência. Recife: UNICAP, 2023, pp. 8-9).
Com base na leitura dos texto I e II, é correto afirmar que:
A) os textos defendem que a filosofia da ciência se restringe à epistemologia, sendo uma subárea desta, e que a epistemologia se dedica exclusivamente à compreensão do conhecimento científico (suas causas e justificativas);
B) os textos concordam que filosofia da ciência e epistemologia são exatamente a mesma coisa, sendo termos usados como sinônimos;
C) os textos mostram uma distinção entre a epistemologia, que estuda as bases do conhecimento humano, e a filosofia da ciência, que se volta especificamente para produção e validade do conhecimento científico;
D) há uma discordância entre Texto I e II. O texto I defenderá que a filosofia da ciência é uma superação da epistemologia, enquanto o II argumenta que ambos termos são sinônimos, pois epistemologia nada mais é do que “teoria da ciência”;
Ambos textos mostram uma distinção entre a “filosofia da ciência” e “epistemologia”. Embora possamos traduzir a epistemologia como sendo “teoria da ciência”, ela em sua origem não se voltava para a análise das hipóteses e da validade das teorias já formuladas acerca das leis naturais. Ela procurava desvendar como o ser humano adquiria o conhecimento e quais eram os limites do que se pode conhecer.
Já a filosofia da ciência (também chamada de “epistemologia da ciência”) ganha espaço como área de importância a partir do século XIX, sendo uma consequência do próprio desenvolvimento científico e da valorização da ciência como uma atividade institucionalizada.
A Ciência passou a ser produtora de um conhecimento sistematizado com participação na manutenção da sociedade. Com efeito, surge a filosofia da ciência com o objetivo de analisar as leis, teorias, metodologias e verificar a validade das justificativas empregadas pelas ciências. Em um outro aspecto, a filosofia da ciência também se preocupa em observar o que estrutura o conhecimento científico, tendo em vista “aspectos lógicos, sociológicos, políticos e éticos” (SILVA, 2023, p. 8).
Questão 2
“O termo “Revolução Científica” deve-se a uma reviravolta ocorrida na modernidade, principalmente nos campos da física e da astronomia, além de uma profunda transformação ocorrida em relação ao pensamento da tradição antiga e medieval. Mas é sobretudo enquanto fator determinante do surgimento do pensamento moderno, numa ruptura com o pensamento escolástico medieval e o pensamento antigo greco-romano, que a Revolução Científica passa a ter uma importância decisiva para além do campo estrito da ciência”. (SILVA, 2023, p. 10).
Pode-se dizer que a Revolução Científica foi:
A) uma ruptura com o pensamento Medieval, substituindo o modelo criacionista pelo modelo ptolomaico;
B) uma profunda mudança de paradigma tanto no âmbito da Ciência quanto da Filosofia;
C) um movimento intelectual que resgatou e consolidou a cosmologia e a física aristotélica, concepção essa oposta ao pensamento medieval teocêntrico;
D) uma corrente de pensamento que defendeu o modelo geocêntrico como base para explicação do cosmos, em oposição ao que Newton defende em sua física;
A Revolução Científica, ocorrida entre o século XVI e XVIII, é caracterizada por uma ruptura radical com o pensamento tradicional, tanto o escolástico medieval quanto com o pensamento de origem greco-romana.
Uma das principais mudanças paradigmáticas desse período foi a rejeição do modelo cosmológico ptolomaico (geocêntrico) em favor de um modelo cosmológico copernicano (heliocêntrico).
Mas essa reviravolta foi além dos campos da física e da astronomia. Ela interferiu profundamente no campo filosófico, alterando a forma como o ser humano se via no universo e como o conhecimento era construído, e que foi determinante para o surgimento do pensamento moderno. À medida que os intelectuais desvinculavam suas ideias da lógica religiosa, crescia a valorização e confiança na razão humana.
Entre os cientistas e pensadores que contribuíram para esse movimento, estão: Copérnico, Kepler, Galileu e Newton.
Questão 3
“Todas as descobertas examinadas no capítulo cinco causaram mudanças de paradigmas ou contribuíram para tanto. Além disso, as mudanças nas quais essas descobertas estiveram implicadas foram, todas elas, tanto construtivas como destrutivas. Depois da assimilação da descoberta, os cientistas encontravam-se em condições de dar conta de um número maior de fenômenos ou explicar mais precisamente alguns dos fenômenos previamente conhecidos. Tal avanço somente foi possível porque algumas crenças ou procedimentos anteriormente aceitos foram descartados e, simultaneamente, substituídos por outros” (KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas, Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 93).
De acordo com o trecho, a “mudança de paradigma” em ciência, tal como concebida por Thomas Kuhn, é um processo que pode ser corretamente descrito como:
A) um movimento que causa reviravolta no pensamento científico, pois opera na construção ou destruição de teorias, mas não afeta a forma como a comunidade científica trabalha;
B) um processo puramente destrutivo que leva ao abandono de todo o conhecimento científico acumulado até o momento da descoberta;
C) um processo puramente construtivo que adiciona novas descobertas ao conhecimento científico sem descartar teorias anteriores;
D) um avanço que é simultaneamente destrutivo e construtivo, pois o progresso se alcança pela substituição de parte das ideias ou pela reformulação total das explicações;
Para Thomas Kuhn a ciência opera convencionalmente, seguindo certos paradigmas para resolver os problemas que surgem. Durante o período da ciência normal, os cientistas não questionam os fundamentos de suas teorias, mas trabalham seguindo uma estrutura já estabelecida.
No entanto, há momentos em que a ciência normal não consegue dar conta de explicar alguns fenômenos (anomalias). Nessas circunstâncias de crise, os cientistas são obrigados a repensar suas teorias, o que leva à derrubada dos paradigmas vigentes e ao início de uma nova forma de abordar os problemas. É a esse processo radical de mudança que Kuhn chama de revolução científica.
Questão 4
“Não foram só os racionalistas, os empiristas e os kantianos que partilharam tal suposto [o justificacionismo], mas também os cépticos e os irracionalistas. Os cépticos, obrigados a admitir que não podemos justificar as nossas teorias ou crenças, declaram a ruína da busca do conhecimento, ao passo que os irracionalistas (os fideístas, por exemplo), devido à mesma admissão fundamental, declaram a ruína da busca de razões — isto é, de argumentos racionalmente válidos – de tentar justificar o nosso conhecimento, ou, antes, as nossas crenças, apelando para a autoridade, como a autoridade de fontes irracionais. Ambos supõem que a questão da justificação ou da existência de razões positivas é fundamental: ambos são justificacionistas clássicos”. (POPPER, O Realismo e o Objetivo da Ciência, apud: ROSÁRIO, 2018, p. 296).
Ao contrário dos teóricos clássicos que sustentam suas teorias sobre a justificação do conhecimento, Popper propõe um outro critério de demarcar quais proposições são consideradas científicas. Pode-se dizer que, a partir desse critério, o conhecimento científico:
A) é estabelecido por meio de uma indução rigorosa, que garante sua verdade a partir da observação de inúmeros casos;
B) é considerado irrefutável, pois se baseia na autoridade de cientistas renomados;
C) deixa de ser estabelecido dogmaticamente e passa a ser passível de ser testado criticamente e ser refutado;
D) tem sua verificação baseada na empiria, o que assegura a certeza de suas proposições e na construção teórica;
Ao contrário dos teóricos “justificacionistas”, que buscam sustentar suas crenças em comprovações, Karl Popper propõe como critério de demarcação entre o não-científico e que é científico, a falseabilidade.
Para o filósofo, um conhecimento científico não pode ser provado de forma definitiva. Assim, o que torna um conhecimento científico não é sua justificação ou verificação positiva, mas sua possibilidade de refutação pela experiência (falseamento). Popper com isso, procura superar o dogmatismo no campo da Ciência.
Questão 5
“O empirismo precisa ser compreendido; o racionalismo precisa de ser aplicado. Um empirismo sem leis claras, sem leis coordenadas, sem leis dedutivas não pode ser nem pensado, nem ensinado; um racionalismo sem prova palpável, sem aplicação na realidade imediata não pode convencer completamente” (BACHELARD, apud: BLAUDE, 2015, p.7).
Para Bachelard, o pensamento científico depende:
A) da cooperatividade entre os saberes derivados do racionalismo e do empirismo, a fim de haver um desenvolvimento;
B) da supremacia do racionalismo sobre o empirismo, uma vez que a razão é a única fonte de conhecimento verdadeiro;
C) da priorização da experiência e da observação, a fim de eliminar os obstáculos criados pela razão para as descobertas científicas;
D) da superação do empirismo e do racionalismo, em virtude de ambos conterem problemas para formulação de conhecimentos verdadeiros;
Gaston Bachelard (1984-1962) defende uma complementaridade entre o racionalismo (conhecimento a priori) e o empirismo (conhecimento a posteriori). O filósofo argumenta que a ciência não se constrói só pela razão pura, que precisa de provas para se convencer, nem só pela experiência pura, que necessita de leis e estruturas lógicas para ser compreendida. É preciso que ambos os saberes se combinem para formular um conhecimento convincente.
“[...] Pensar cientificamente ‘é colocar-se no campo epistemológico intermediário entre a teoria e a prática, entre a matemática e a experiência. Conhecer cientificamente uma lei natural é conhecê-la simultaneamente como fenómeno e como noumeno’” (BACHELARD, apud: BLAUDE, 2015, p.7).
Questão 6
“Os crop circles, também conhecidos como círculos ingleses ou círculos nas plantações, são padrões geométricos desenhados em plantações de trigo, cevada, centeio ou outras plantas amassadas. Tais formações, geralmente enormes e com desenhos intrincados, têm sido encontradas em todo o mundo, em quantidades cada vez maiores, desde os anos 1970. Muito comentados na mídia, os crop circles já despertaram muita controvérsia sobre sua origem.
As teorias favoritas diziam que:
1.Os círculos marcavam o local de pouso de espaçonaves alienígenas, ou OVNIs, que deixavam marcas distintas no solo.
2.Os círculos haviam sido feitos por farsantes humanos que iam de noite às plantações, com cordas e outras ferramentas, para criar os desenhos e despertar o interesse e a especulação da mídia”. (DUPRÉ, 2015, p. 35).
Um método comum utilizado nos debates científicos para a escolha de hipóteses explicativas é a navalha de Ockham. Seguindo pela lógica desse método, pode-se dizer que:
A) o fenômenos dos crops circles são melhor explicados pela primeira hipótese, uma vez que não há seres terrestres com dimensões suficientes e que sejam capazes de deixar tais marcas gigantescas;
B) a segunda hipótese não traz elementos suficientes que comprovem que foram homens farsantes que fizeram os desenhos, algo necessário à Ciência já que ela almeja a verdade;
C) a explicação elaborada pela hipótese dois é mais coerente, visto que a ideia de OVNIs não possui evidências confirmadas pela Ciência;
D) nenhuma das hipóteses responde a questão a contento, por isso, é preciso suspender o juízo quanto ao problema;
A navalha de Ockham é um princípio metodológico que estabelece que, entre hipóteses concorrentes que explicam um mesmo fenômeno, deve-se preferir aqueça que for mais simples e que tenha o menor número de suposições não comprovadas. Em outras palavras, a explicação mais parcimoniosa (econômica) é, metodologicamente, a melhor para o trabalho científico.
Assim sendo, entre as hipóteses trazidas pelo texto, a segunda é a mais simples, pois ela se baseia em elementos conhecidos (a existência de seres humanos, o uso de ferramentas por eles, a sua motivação de mentir, etc).
A primeira hipótese, contudo, exige uma série de suposições sem evidência (a existência de vida extraterrestre, a viagem destes em naves, o pouso da nave sempre sobre plantações etc), o que torna a hipótese mais difícil de ser sustentada, da perspectiva lógica.
Questão 7
“(1) Descobrimento do problema ou lacuna num conjunto de conhecimentos. Se o problema não estiver enunciado com clareza, passa-se à etapa seguinte: se o estiver, passa-se à subsequente.
(2) Colocação precisa do problema, dentro do possível em termos matemáticos ainda que não necessariamente quantitativos. Ou ainda, recolocação de um velho problema à luz de novos conhecimentos (empíricos ou teóricos, substantivos ou metodológicos).
(3) Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema (p.ex., dados empíricos, teorias, aparelhos de medição, técnicas de cálculo ou de medição). Ou seja, exame do conhecido para tentar resolver o problema.
(4) Tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados. Se a tentativa resultar inútil, passa-se para a etapa seguinte: em caso contrário, à subsequente.
(5) Invenção de novas ideias (hipóteses, teorias ou técnicas) ou produção de novos dados empíricos que prometam resolver o problema.
(6) Obtenção de uma solução (exata ou aproximada) do problema com o auxílio do instrumental conceitual ou empírico disponível.
(7) Investigação das consequências da solução obtida. Em se tratando de uma teoria, procura de prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em se tratando de novos dados, exame das consequências que possam ter para teorias relevantes.
(8) Prova (comprovação) da solução: confronto da solução com a totalidade das teorias e da informação empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório a pesquisa é dada por concluída até novo aviso. Do contrário, passa-se para a etapa seguinte.
(9) Correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta [se tal foi o caso]. Esse é, naturalmente, o começo de um novo ciclo de investigação”. (BUNGE, Epistemologia, apud: CUPANI, 2009, P. 39).
O trecho acima descreve:
A) ideias baseadas no dogmatismo científico;
B) o processo aplicado pelos racionalistas na busca de um conhecimento verdadeiro;
C) o movimento operado pelo procedimento intuitivo de obtenção de dados;
D) o método científico de investigação e elaboração de um conhecimento;
Mario Bunge (1920) é filósofo argentino que defende que todo cientista tem uma estratégia sistematizada de conduzir suas pesquisas. Ainda que cada disciplina tenha sua especificidade, ou seja, um conjunto de técnicas específicas em virtude dos diferentes objetos e áreas de conhecimento, há uma “estratégia geral” compartilhada por todas as pesquisas científicas. Essa “estratégia geral” é que Bunge chama de método científico.
No trecho acima, são apontadas as nove etapas do método científico, segundo Bunge.
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Referências Bibliográficas
BLAUNDE, J. “Filosofia das Ciências na Perspectiva Bachelardiana”. Enciclopédia, Pelotas, v. 03, Inverno, 2015, pp. 1-17.
CUPANI, A. O. Filosofia da Ciência. Florianópolis: FILOSOFIA/EAD/ UFSC, 2009.
DUPRÉ, B. 50 ideias de Filosofia que Você Precisa Conhecer. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Planeta, 2015.
KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas, Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2006.
ROSÁRIO, F. R. “O Falibilismo Epistemológico de Karl Popper”. Sofia, Vitória, v. 7, n. 2, 2018, pp. 289-304.
SILVA, E. E. Epistemologia e Filosofia da Ciência. Recife: UNICAP, 2023.
AGUENA, Anita. Exercícios sobre a filosofia da ciência (com gabarito). Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/exercicios-sobre-a-filosofia-da-ciencia-com-gabarito/. Acesso em: