O que é a liberdade: entenda o conceito e os tipos
Liberdade é um conceito complexo, que carrega em si séculos de discussões acerca do que ela é e de sua aplicação.
A liberdade pode ser tratada como um valor ou como um direito; estar atrelada a um estado de espírito, a uma condição física ou aspecto político-social; também pode vir a ser entendida como uma característica ou elemento essencial ao ser humano.
Convencionalmente, o conceito de liberdade vem ligado à “ausência de coação externa” ou à ideia de “fazer escolhas”, de “agir de acordo com o próprio querer”.
Neste conteúdo você encontra:
O conceito de liberdade ao longo da história da filosofia
O conceito de liberdade vem do termo latino “libertas”, cujo adjetivo “liber” era usado para se referir ao homem que, incorporado à comunidade, era capaz de assumir responsabilidades. Em outras palavras, seria aquele que participava da realidade social e que tinha poder de decisão, não sendo, portanto, “escravo” de nada (nem das paixões, nem de outros).
Liberdade na filosofia da Grécia antiga
Essa mesma oposição entre “ser livre” e “ser escravo” estava presente no mundo grego, contudo, com o desenvolvimento da filosofia grega o conceito se ampliou em outros sentidos.
Segundo Mora (1950, p. 50), em um aspecto geral, o conceito liberdade pode ser compreendido em três sentidos distintos entre os antigos gregos:
Liberdade natural
Está ligada à possibilidade de escapar do destino ou da lei natural.
Os homens não escolhidos pelo destino são chamados “livres”, em um sentido inferior. São “livres” por não “serem interessantes” ao destino.
Já os escolhidos são livres em um nível superior. Estes não são livres para “fazer o que quiserem”, como ir contra o destino. Mas, ao cumprirem com aquilo que é necessário, estão cumprindo com o propósito de sua própria essência (realizam-se).
Os homens que escapam à lei natural são aqueles cujas almas não estão submetidas às forças ou impulsos corpóreos. Também são ditos “livres” os sábios, uma vez que atuam como seres racionais, estando cientes da determinação do cosmos. Estes, além de não estarem presos à ignorância, compreendem que não têm controle sobre fatores externos.
Liberdade social / política
Se manifesta pela ação autônoma, mas sem fugir à lei social/ política ou se submeter a interferência de outras comunidades.
Liberdade pessoal
É quando o indivíduo, independente de uma coação externa, assume a si próprio e busca o seu aperfeiçoamento (principalmente, intelectual).
Essa busca pela própria excelência, assim como a liberdade atrelada à ideia ação racional estão presentes tanto em Platão como em Aristóteles.
Em Platão, o homem considerado livre é aquele que “lapida” a sua alma com o conhecimento e que tem domínio sobre suas paixões.
Em Aristóteles, esse aperfeiçoamento de si, que leva o homem ao conhecimento do bem, conduz a uma ação voluntária. Quanto mais o indivíduo conhece, mais livre é sua vontade, ou seja, menos ele se vê preso aos vícios da alma. Assim sendo, quanto mais obtiver virtudes (justa-medida), mais poder de deliberação ele tem, inclusive, para agir no campo da vida política.
Liberdade no pensamento medieval: livre-arbítrio
Os pensadores do Medievo, por sua vez, entenderam a liberdade a partir do conceito de livre-arbítrio. Para eles, tanto o livre-arbítrio quanto a razão são capacidades dadas por Deus ao homem para que ele possa escolher entre o bem e o mal.
Assim, o homem seria livre para ir em busca de Deus (o bem, a verdade) ou para deixar que as paixões escravizem sua razão (ceder ao pecado, ao mal).
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Liberdade na filosofia moderna
Com a Modernidade, o conceito liberdade assume um novo sentido, a partir da teoria dos Contratualistas. A liberdade passa a ser tratada com um direito natural inerente ao ser humano.
Em Hobbes (1588-1679), ela será vista como uma ausência de obstáculos que confere ao homem o direito de dispor de tudo que possa contribuir para a sua conservação e satisfação. Por isso que, para Hobbes, o pacto social implica na renúncia forçada desse direito em favor da segurança e da justiça de todos.
Em John Locke (1632-1704), embora a liberdade também esteja atrelada à ausência de coerção externa, ela não é um direito oposto à lei.
Para Locke, o estado de natureza não era um estado de guerra e o homem não era um ser naturalmente violento, mas um ser dotado de razão e regido por uma lei natural.
A saída do estado de natureza ocorre, então, pelo próprio exercício da liberdade. Com o contrato social, os indivíduos optampor seguir as leis que foram estabelecidas a todos, a fim de evitar inconvenientes e assegurar melhor os direitos naturais.
A liberdade, então, não é só a ausência de coerção, mas um poder de decisão que será usado no interior da vida social e também no combate de governos que violem os direitos.
Em Rousseau (1712-1778), a liberdade virá associada à vontade geral.
Para ele, o homem somente é livre, ou seja, só se torna “verdadeiramente senhor de si” quando obedece à lei que ele prescreveu a si (liberdade moral). Essa lei prescrita é a que foi constituída no pacto social, uma lei que cada cidadão aceitou consensualmente em nome de um bem comum (vontade geral).
Ainda na Filosofia Moderna, Kant surge entendendo a liberdade como autonomia humana. O homem, por ser racional, é capaz de distinguir por si o certo do errado. Nesse sentido, ele tem o poder de determinar a sua vontade e agir de acordo com normas morais que são válidas universalmente.
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Liberdade na filosofia contemporânea
Com o advento da Filosofia Contemporânea, a liberdade passa a ser uma condição inerente à existência humana. Jean-Paul Sartre (1905-1980), um dos principais expoentes do existencialismo, radicaliza a liberdade ao dizer que “o homem está fadado a ser livre”.
Com isso, ele não só retira do homem o peso da predeterminação essencial, como coloca nas mãos do homem a responsabilidade quanto ao que ele faz de si.
Partindo do debate político, Isaiah Berlin (1909-1997) será quem analisará o conceito de liberdade e apontará a existência de duas formas de classificar ou entender o conceito ao longo da história.
Em linhas gerais, ele chamará de liberdade negativa, a possibilidade que os indivíduos têm de agir ou escolher, sem que haja impedimento externo (independente se desejam ou não o que pode ser escolhido).
Já a liberdade positiva tem relação com uma autodeterminação, um autogoverno com base na razão. É quando o indivíduo decide por controlar a si em vista de um fim já conhecido (um propósito) e que está vinculado a um bem que se faz a si.
Tipos de liberdade e suas aplicações
Liberdade Negativa: ausência de impedimentos ou de interferências. Possibilidade de agir espontaneamente;
Liberdade Positiva: possibilidade de agir conforme seus propósitos. Escolhas com base no autogoverno e na autorrealização;
Liberdade Natural: é a possibilidade de escapar da lei natural ou do destino, ou ainda, de cumprir com a própria essência por meio do cumprimento do destino;
Liberdade Pessoal: capacidade de autodeterminação e de se aperfeiçoar;
Liberdade Moral: escolhas baseadas em princípios éticos (autonomia) ou em determinações morais (escolha entre o bem x mal); Ação que não se submete às paixões e que visa ao bem comum;
Liberdade do Existencialismo: condição humana em que o indivíduo é fruto de sua escolha e tem total responsabilidade pelo que faz de si;
Liberdade Política: capacidade de participar das decisões relativas à sociedade ou ao governo;
Liberdade Interpessoal ou Social: liberdade que se dá aos outros para agirem de determinada maneira.
Liberdade Civil: capacidade de escolher com base nos direitos individuais, respeitando as leis e os demais indivíduos.
Estão atreladas a esse tipo, as seguintes formas de liberdade:
Liberdade de expressão: possibilidade de expressar ideias, opiniões ou sentimentos, desde que respeitada a dignidade dos demais indivíduos;
Liberdade religiosa: direito que um indivíduo tem de acreditar e de praticar ou não qualquer forma de religião, sem com isso sofrer discriminação;
Liberdade de ir e vir: direito de circular livremente dentro do território de sua nação, permanecer (escolher domicílio) ou dele sair com os próprios bens. Tal direito implica no respeito ao domicílio alheio (não se pode adentrar a residência de outro sem sua autorização);
Liberdade Sexual: direito dos indivíduos decidirem livremente sobre o exercício e expressão de sua sexualidade, sendo protegidos por lei de qualquer forma de discriminação ou violência;
Liberdade de escolher a própria profissão: autonomia para escolher a própria profissão. É preciso lembrar que certas profissões necessitam da certificação e de registro para que possam ser exercidas, como a medicina. O intuito dessa obrigação é proteger a sociedade e o próprio profissional.
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Liberdade na sociologia
Enquanto a Filosofia procura teorizar sobre o que é liberdade num sentido universal e a vincula a natureza humana, a Sociologia não a dissocia das relações sociais. A liberdade só existe como parte ou fenômeno das interações sociais.
Desse modo, o entendimento da liberdade é condicionado e moldado pelas estruturas sociais, suas normas e limites, por fatores econômicos e pela dinâmica de poder. Não há, portanto, uma definição clara e definitiva para o termo.
Nesse contexto, Zygmunt Bauman (1925-2017) nos dirá que a liberdade nasce do privilégio e serve para manutenção e estruturação da ordem social. Logo, para ele, além da liberdade ser uma construção social, a forma como a enxergamos é ditada por quem detém o poder.
Em teoria, por exemplo, a liberdade surge numa sociedade democrática como um bem coletivo ligada à participação ativa dos cidadãos.
Nesse modelo, a existência de leis torna-se fundamental para determinar os limites de cada um. Assim, um cidadão não pode vir a prejudicar a segurança e o exercício de liberdade dos demais. Essa forma de sociedade pode ou não ter um Estado com papel ativo no controle desses limites, sendo ele também regulado por leis.
Por outro lado, se o poder está nas mãos de quem acolhe sistemas liberais, a liberdade a ser defendida passa a ter um caráter mais individual e se alicerça sobre a não interferência do Estado.
A redução do papel do Estado, nesse caso, visa proteger a autonomia dos indivíduos e a esfera econômica, deixando ambos se autorregularem.
Em um regime ditatorial, a liberdade tende a ser vista como uma ameaça à sociedade, sendo restringida. O Estado passa a ter grande controle sobre a sociedade, monitorando as ideias veiculadas pela imprensa, impedindo associações etc.
Liberdade e desigualdade social
Uma observação comum a Sociologia é que, embora haja uma defesa da liberdade como direito de todos, na prática, é possível dizer que existem pessoas com mais liberdade do que outras.
Se a liberdade for pensada em relação ao fator econômico, por exemplo, notaremos que há pessoas com mais barreiras financeiras do que outras para alcançar os seus desejos e exercitar livremente suas escolhas. O mesmo ocorre se observarmos no campo da educação, da política etc.
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