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Aculturação

Diogo Orsi
Diogo Orsi
Professor de Filosofia e Sociologia

A aculturação é o processo contínuo de transformação cultural que ocorre quando grupos ou indivíduos de culturas diferentes entram em contato direto ou indireto. O processo envolve mudanças em seus modos de vida, valores, práticas e identidades culturais. Mais do que uma simples “mistura” cultural, ela envolve negociações adaptações e, frequentemente, tensões entre culturas dominantes e minoritárias.

Desde a sua formulação clássica no início do século XX, a aculturação é compreendida como o resultado do contato contínuo entre grupos culturalmente distintos, que gera modificações nos padrões originais de um ou ambos os grupos. Ainda no século XX, o conceito passou a contemplar ainda o seu caráter bidirecional – ou seja, ambos os grupos mudam em graus variáveis, ainda que nem sempre de modo equilibrado.

Em sociedades contemporâneas marcadas por fluxos migratórios, globalização e tecnologias de comunicação, a aculturação é também um fenômeno psicológico e social. Ela influencia não apenas práticas culturais visíveis (como hábitos alimentares ou linguísticos), mas também dimensões identitárias, emocionais e comportamentais, exigindo que indivíduos encontrem formas de equilibrar pertencimentos múltiplos e/ou conflitantes.

Neste conteúdo você vai encontrar:

Cultura como sistema dinâmico e adaptativo

A compreensão da aculturação depende de uma visão de cultura como um sistema vivo e mutável – um conjunto de significados, valores e práticas que se transformam constantemente na interação com o meio e com outras culturas. Na perspectiva ecocultural, proposta por John W. Berry, os comportamentos e crenças humanas se adaptam simultaneamente a dois contextos: o ecológico (as condições materiais e ambientais de vida) e o sociopolítico (as relações de poder e contato intercultural).

Esses dois fatores – ecologia e sociabilidade – moldam a diversidade cultural e explicam por que os processos de aculturação assumem formas tão variadas. Assim, uma cultura não se transforma apenas ao adotar elementos externos, mas também ao reinterpretar e ressignificar esses elementos em função de suas próprias necessidades e estruturas simbólicas.

Tipos e estratégias de aculturação

Berry desenvolveu um modelo de quatro estratégias principais de aculturação, baseado em duas dimensões fundamentais:

  1. O grau de manutenção da cultura de origem, e
  2. O desejo de relacionar-se com o novo grupo.

Estratégia

Manutenção da cultura de origem

Relação com o novo grupo

Exemplo ilustrativo

Integração

Sim

Sim

Brasileiros no Japão que mantêm tradições brasileiras e participam de festivais nipônicos.

Assimilação

Não

Sim

Um imigrante que abandona o idioma e costumes de origem para adotar os da cultura receptora.

Separação

Sim

Não

Comunidades que preservam seus costumes e evitam contato com o grupo majoritário.

Marginalização

Não

Não

Indivíduos que perdem vínculos com ambas as culturas, sofrendo exclusão social.

Essas estratégias demonstram que a aculturação não é uniforme nem linear. Ela pode gerar tanto integração positiva, com ganhos de bem-estar e pertencimento, quanto marginalização e conflito, dependendo das condições políticas, econômicas e psicossociais envolvidas.

Estudos indicam que a integração tende a produzir melhores indicadores de saúde mental e social, enquanto a marginalização está associada a maior risco de discriminação, isolamento e sofrimento psíquico.

Aculturação no contexto brasileiro

O Brasil constitui um caso paradigmático de aculturação por sua formação histórica plural, marcada pelo contato – muitas vezes violento – entre povos indígenas originários, colonizadores europeus, africanos escravizados e imigrantes de diversas origens. Desde o período colonial, processos de imposição cultural coexistem com resistências, recriações e sincretismos que deram origem à complexa identidade brasileira. São exemplos desse processo:

Colonização e catequese: os povos indígenas sofreram um processo de aculturação forçada, com a imposição da língua portuguesa e da religião cristã. Ainda assim, práticas e cosmologias indígenas sobreviveram, muitas vezes camufladas em festas e costumes regionais.

Escravização e diáspora africana: os africanos escravizados trouxeram línguas, religiões e saberes que, ao longo do tempo, se mesclaram às práticas locais – dando origem, por exemplo, ao candomblé, à capoeira, influências culinárias e inúmeras expressões musicais. Essa aculturação foi, em parte, um ato de resistência cultural, pois permitiu a preservação simbólica de identidades mesmo sob dominação.

Imigração e modernidade: nos séculos XIX e XX, imigrantes europeus e asiáticos também participaram desse processo, introduzindo novas técnicas agrícolas, culinárias e formas de sociabilidade. A culinária japonesa adaptada ao paladar brasileiro – como o sushi com cream cheese – é um exemplo contemporâneo de aculturação recíproca.

Aculturação e globalização contemporânea

Na atualidade, a globalização intensifica a circulação de símbolos, práticas e valores. A internet e as redes sociais aceleram o que alguns autores chamam de aculturação remota – processos de influência cultural que ocorrem sem contato físico direto. Jovens brasileiros que celebram o Halloween ou a adesão do comércio brasileiro à Black Friday incorporam elementos estrangeiros, adaptados às referências locais.

Entretanto, a globalização também reativa identidades locais e movimentos de resistência cultural. A valorização das culturas afro-brasileiras, indígenas e periféricas expressa uma forma de reapropriação identitária, em que grupos historicamente subalternizados reinterpretam sua herança cultural como fonte de orgulho e legitimidade social.

Perspectivas psicossociais da aculturação

A aculturação tem diversos efeitos sobre a subjetividade. Pesquisas mais recentes mostram que a adaptação intercultural afeta não apenas práticas externas, mas também autoestima, identidade e bem-estar psicológico. Jovens imigrantes, por exemplo, tendem a apresentar melhor ajuste emocional quando desenvolvem identidades biculturais, capazes de integrar elementos da cultura de origem e da nova sociedade.

Neste processo, a bidirecionalidade é crucial: não apenas o grupo minoritário se adapta, mas também o grupo dominante sofre mudanças. A música, a gastronomia e a linguagem são exemplos cotidianos de como culturas se modificam mutuamente.

Por outro lado, quando o contato intercultural ocorre em contextos de desigualdade, as experiências de aculturação podem gerar estresse, discriminação e conflitos de identidade. Políticas públicas e práticas educacionais sensíveis à diversidade cultural tornam-se fundamentais para transformar a aculturação em um processo de enriquecimento mútuo e não de assimilação forçada.

Tipos de aculturação: direta e indireta

Aculturação direta ocorre por contato físico e social, como nas relações coloniais, migrações ou trocas comerciais.

Exemplo: a introdução de ferramentas de metal entre povos indígenas da Amazônia modificou práticas agrícolas, sem eliminar completamente os saberes tradicionais.

Aculturação indireta acontece através da difusão de valores e produtos culturais via meios de comunicação, turismo ou consumo global.

Exemplo: o uso disseminado de aplicativos e expressões linguísticas estrangeiras (“streaming”, “selfie”, “like”) reflete influências culturais mediadas por tecnologias digitais.

Resumo

A aculturação é um dos fenômenos centrais da sociologia contemporânea porque revela como as culturas são formadas, transformadas e perpetuadas nas relações de contato e poder. Ela evidencia a capacidade humana de adaptação e criatividade, mas também revela assimetrias históricas.

Quando baseada no diálogo e no reconhecimento mútuo, a aculturação enriquece as sociedades e amplia horizontes identitários. Quando imposta unilateralmente, pode gerar exclusão e perda de referências. O desafio de sociedades multiculturais como o Brasil é promover estratégias de integração intercultural que reconheçam a diversidade não como obstáculo, mas como fundamento de uma cidadania plural e democrática.

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Referências Bibliográficas

Berry, J. W. (2019). Acculturation: A Personal Journey Across Cultures. Cambridge University Press.

Johnson, T. M. (Ed.). (2011). Acculturation: Implications for Individuals, Families, and Societies. Nova Science Publishers.

Redfield, R., Linton, R., & Herskovits, M. (1936). Memorandum for the Study of Acculturation. American Anthropologist, 38(1), 149–152.

Sam, D. L., & Berry, J. W. (2016). The Cambridge Handbook of Acculturation Psychology. Cambridge University Press.

Diogo Orsi
Diogo Orsi
Bacharel (PUC/SP) e licenciado (UniBF) em Filosofia. Mestrando em Filosofia (Unifesp), com ênfase em filosofia política contemporânea.