Questões sobre racismo (com gabarito explicado)

Anita Sayuri Aguena
Anita Sayuri Aguena
Professora de Filosofia e Sociologia

Este conjunto de questões traz discussões atuais e relevantes sobre o racismo estrutural, a resistência histórica da população negra, a diversidade dos povos indígenas e o papel do antirracismo na construção de uma sociedade mais justa.

Com base em autores como Djamila Ribeiro, Silvio de Almeida, Lélia Gonzalez e Angela Davis, os exercícios propostos aqui não apenas testam conhecimentos, mas estimulam a análise crítica e o engajamento cidadão.

Questão 1

Leia o trecho e responda:

“QUANDO CRIANÇA, fui ensinada que a população negra havia sido escrava e ponto, como se não tivesse existido uma vida anterior nas regiões de onde essas pessoas foram tiradas à força. Disseram-me que a população negra era passiva e que “aceitou” a escravidão sem resistência. Também me contaram que a princesa Isabel havia sido sua grande redentora. No entanto, essa era a história contada do ponto de vista dos vencedores, como diz Walter Benjamin. O que não me contaram é que o Quilombo dos Palmares, na serra da Barriga, em Alagoas, perdurou por mais de um século, e que se organizaram vários levantes como forma de resistência à escravidão, como a Revolta dos Malês e a Revolta da Chibata. Com o tempo, compreendi que a população negra havia sido escravizada, e não era escrava — palavra que denota que essa seria uma condição natural, ocultando que esse grupo foi colocado ali pela ação de outrem”. (RIBEIRO, D. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019).

Djamila Ribeiro critica as narrativas que foram transmitidas sobre a população negra no Brasil, isso porque, centralmente, elas:

A) Enfatizam demais a importância da Princesa Isabel como a principal responsável pela libertação dos escravizados.

B) Priorizam a perspectiva dos colonizadores e da elite branca e negligenciam informações relativas à resistência da própria população negra.

C) Apresentam as Revolta dos Malês e da Chibata, como práticas de luta contra a escravidão.

D) Nega a violência do sistema escravista e seus impactos duradouros na sociedade brasileira.

Gabarito explicado

No trecho, a autora chama a atenção para a forma como era contada a história dos negros no Brasil, sempre seguindo o ponto de vista dos dominadores. Nesse sentido, ao não se contar sobre a construção do Quilombo dos Palmares ou sobre importantes revoltas, como a dos Malês e da Chibata, o que se está fazendo, não é só a invisibilização da resistência negra, mas a omissão de informações históricas relevantes à formação identitária da maior parcela da população do Brasil.

Questão 2

Silvio de Almeida é um dos intelectuais que discute e explica o que é racismo. Tendo em vista as suas ideias, podemos dizer que racismo é:

A) a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados.

B) um juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias.

C) uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou não que culminam em privilégios para indivíduos.

D) um processo em que a situação específica de grupos minoritários é ignorada ou sobre a qual são impostas regras de “neutralidade racial”.

Gabarito explicado

Silvio de Almeida, em seu livro “O Racismo Estrutural”, distigue os sentidos dos termos discriminação, preconceito e racismo. Assim temos:

a discriminação como sendo “a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados”;

o preconceito como sendo “juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias”;

e racismo como sendo uma “forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam.

O “processo em que a situação específica de grupos minoritários é ignorada [...] ou sobre a qual são impostas regras de “neutralidade racial”” diz respeito à discriminação indireta.

Questão 3

“As sociedades que vieram a constituir a chamada América Latina foram as herdeiras históricas das ideologias de classificação social [...] Racialmente estratificadas, dispensaram formas abertas de segregação, uma vez que as hierarquias garantem a superioridade dos brancos enquanto grupo dominante. A expressão do humorista Millôr Fernandes, ao afirmar que “não existe racismo no Brasil porque o negro conhece o seu lugar”, sintetiza o que acabamos de expor.

Por isso mesmo, a afirmação de que todos são iguais perante a lei assume um caráter nitidamente formalista em nossas sociedades. O racismo latinoamericano é suficientemente sofisticado para manter negros e índios na condição de segmentos subordinados no interior das classes mais exploradas, graças à sua forma ideológica mais eficaz: a ideologia do branqueamento. [...] Uma vez estabelecido, o mito da superioridade branca demonstra sua eficácia pelos efeitos de estilhaçamento, de fragmentação da identidade racial que ele produz: o desejo de embranquecer (de “limpar o sangue”, como se diz no Brasil) é internalizado, com a simultânea negação da própria raça, da própria cultura”. (ECHAZÚ BÖSCHEMEIER , A. G.; INÉS CEJAS, M. A Categoria Político-Cultural de Amefricanidade: Lélia González. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, v. 15, n. 1, 2021, pp. 66–89).

De acordo com o trecho, qual a particularidade do racismo na América Latina?

A) O fato dele se apoiar numa legislação que formalmente garante a igualdade racial;

B) O racismo latino se caracteriza pela ausência de hierarquias sociais raciais bem definidas, permitindo uma mobilidade social equitativa;

C) Tal racismo se caracteriza por uma forma explícita de segregação racial, similar à observada em outros contextos históricos, como países colonizados por sociedades anglo-saxônicas;

D) O racismo latino reside na internalização da ideologia do branqueamento, que leva à negação da própria identidade racial pelos grupos subordinados.

Gabarito explicado

Lélia González separa duas formas do racismo operado no processo colonizatório, como tática de dominação e exploração. Enquanto nas colônias sob domínio inglês, holandês ou germânico foi aplicada uma segregação racial aberta, o racismo nas colônias, principalmente, portuguesas e espanholas era disfarçado, o que Lélia chamou de racismo por denagação. Nestas, aplicava-se a “ideologia do branqueamento”, de modo a alienar os colonizados. Estes, ao internalizarem tal ideologia, acabavam por negar a própria identidade racial.

Questão 4

“Outro grande problema sobre essa generalização é que esse índio genérico não existe de fato, ele está apenas no imaginário. Ele não pertence a nenhuma etnia e não possui cultura e costumes próprios, não tem tradição, não tem história, é apenas um reflexo do que a sociedade erroneamente acredita ser um índio. No vídeo “Povos indígenas: Munduruku”, Daniel Munduruku nos conta uma conversa com seu avô sobre aceitação indígena. “Você não é índio” é a frase que o autor ouve de seu avô, ‘você pertence a um povo, índio é coisa da cidade, você é Munduruku’”. (SILVA, S. F. O índio imaginário e a perda da diversidade cultural. Revista África e Africanidades; a.12, n. 33, fev. 2020).

O trecho acima está ligado ao uso cotidiano do termo “índio” para se referir aos povos originários do Brasil, algo que revela:

A) uma valorização da cultura homogênea compartilhada por todas as etnias originárias, uma vez que são reconhecidamente brasileiras.

B) o reconhecimento e o fortalecimento das tradições costumes particulares de cada etnia indígena.

C) uma solução nas trocas culturais de povos tão diversos, uma vez que o termo “índio” diz respeito à autodefinição de todos os grupos étnicos indígenas, sendo como eles se reconhecem até hoje.

D) a criação de uma imagem simplificada e irreal que ignora e apaga a identidade e a diversidade étnica, cultural e histórica dos povos indígenas.

Gabarito explicado

O termo “índio” é um termo convencionado e imposto pelos colonizadores para se referir aos povos que eles encontraram nas Américas.

Como diz Márcia Mura, doutora em História Social, em entrevista ao G1: “índio é um termo genérico, que não considera as especificidades que existem entre os povos indígenas”. É um termo que reforça a discriminação dos povos originários, uma vez que ele traz em si as perspectivas do colonizador, que segregavam e tratavam os povos das Américas como “incivilizados” ou “selvagens”. Ao mesmo tempo, é um termo que ignora a diversidade étnico-cultural dos povos originários e que acaba perpetuando tanto esse desconhecimento quanto o racismo.

A fala do avô de Daniel Munduruku ("você pertence a um povo, índio é coisa da cidade, você é Munduruku"), reproduzida no trecho, não só serve para relembrar o neto, mas ensinar a todos que cada grupo indígena tem um nome, uma língua própria, cultura, organização, tradição e costumes, entre outros aspectos específicos.

Questão 5

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Referências Bibliográficas

ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.

ECHAZÚ BÖSCHEMEIER , A. G.; INÉS CEJAS, M. A Categoria Político-Cultural de Amefricanidade: Lélia González. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, v. 15, n. 1, 2021, pp. 66–89.

RIBEIRO, D. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

SANTOS, E. Índio ou indígena? Entenda a diferença entre os dois termos. G1, Educação. Publicação de 19 Abr. 2022.

SILVA, S. F. O índio imaginário e a perda da diversidade cultural. Revista África e Africanidades; a.12, n. 33, fev. 2020.

TROQUEZ, M. C. C. RACISMO CONTRA POVOS INDÍGENAS E EDUCAÇÃO. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador , v. 31, n. 67, jul. 2022, pp. 98-112.

Anita Sayuri Aguena
Anita Sayuri Aguena
Bacharela e Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (2014), com Mestrado em História da Filosofia pela mesma universidade (2017). Atua como professora na rede privada de ensino, ministrando aulas ligadas às áreas de Filosofia e de Sociologia.