Acidente com césio-137 em Goiânia

Carolina Batista
Carolina Batista
Professora de Química

Em 13 de setembro de 1987 teve início o maior acidente radiológico do Brasil, em Goiânia, capital do estado de Goiás. A fonte causadora do desastre foi um aparelho de radioterapia deixado em uma clínica desativada.

O equipamento foi encontrado por catadores e levado para um ferro-velho. O que os dois homens não sabiam é que ele continha um material radioativo, o césio-137.

A substância nociva ao ser humano causou centenas de vítimas diretas e indiretas por causa da radioatividade do pó cloreto de césio (CsCl).

Resumo da história do acidente

A história do acidente começou no centro de Goiânia, local onde funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia. Dois catadores de lixo entraram na clínica abandonada e se depararam com um enorme aparelho deixado no local.

Com o intuito de vender as partes de valor, por conterem aço e chumbo, os homens levaram o equipamento até o ferro-velho de Devair Alves Ferreira na Rua 26-A, no Setor Aeroporto.

Ao desmontar o equipamento, Devair encontrou uma cápsula nuclear contendo um pó de cor branca que no escuro tinha um brilho azul. Fascinado pelo material e achando ser algo de valor, ele exibiu a descoberta para familiares, amigos e vizinhos sem saber do perigo que estava em suas mãos.

Como o césio é um elemento radioativo, o núcleo do seu átomo sofre desintegrações. A unidade utilizada para medir a radioatividade do material é o Becquerel (Bq), que corresponde a uma desintegração por segundo, ou o Curie (Ci), que equivale a 3,7 x 1010 desintegrações por segundo.

Quando o equipamento foi fabricado em 1971 nos Estados Unidos, havia aproximadamente 28 g do cloreto de césio e a atividade radioativa era de 2.000 Ci. Ao encontrá-lo, 16 anos depois, a cápsula ainda continha 19,26 g da substância e apresentava uma atividade de 1.375 Ci ou 50.9 TBq.

A quantidade de césio-137 foi suficiente para gerar uma grande contaminação, já que o radioisótopo se espalhou rapidamente por se tratar de um pó fino que adere facilmente aos locais com umidade.

As consequências da exposição

Horas depois do primeiro contato com o césio-137, iniciaram-se os sintomas de intoxicação. Pessoas que apresentaram tontura, diarreia e vômito recorreram aos hospitais. Sem ter conhecimento do material radioativo na região, os médicos acreditavam se tratar de uma doença contagiosa.

Apenas duas semanas após a exposição, a esposa de Devair foi até à Vigilância Sanitária, levando consigo parte do equipamento que estava no ferro-velho.

O acidente radioativo só foi confirmado em 29 de setembro, quando o físico nuclear Walter Ferreira foi chamado ao local e com o uso de detectores indicou os altos níveis de radiação. Imediatamente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) foi acionada para implementar um plano de emergência.

Os efeitos da radiação foram sentidos por moradores que tiveram o contato direto com o material e os que trabalharam para sanar o acidente, como médicos, enfermeiros, bombeiros e policiais.

As vítimas do acidente: quantas e quem foram?

Segundo dados oficiais, o acidente resultou em quatro vítimas fatais um mês após o contato com a substância. As principais causas foram hemorragia e infecção generalizada.

O primeiro óbito foi de Leide das Neves Ferreira, uma menina de 6 anos, que se tornou símbolo da tragédia. Maria Gabriela Ferreira, que ajudou a desvendar o mistério, foi a segunda vítima fatal, assim como Israel Santos e Admilson Souza, funcionários do ferro-velho.

Entretanto, estima-se que mais pessoas morreram em decorrência de complicações e muitas ainda carregam as consequências da herança radioativa.

Para saber mais sobre materiais radioativos, veja: Radioatividade.

As medidas tomadas após o acidente

Para a descontaminação do local sete focos principais foram identificados e isolados. Cerca de 112.800 pessoas foram monitoradas e agrupadas de acordo com a exposição e sintomas apresentados.

Foram recolhidos 3500 m3 de lixo nuclear e armazenados em contêineres concretados e enterrados a 23 km de Goiânia, na cidade de Abadia de Goiás. O Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste realiza o monitoramento da atividade dos rejeitos radioativos.

Em 1988, foi criada a Fundação Leide das Neves Ferreira, pelo Estado de Goiás, para acompanhamento das vítimas da radiação de acordo com os níveis de exposição. Hoje, os serviços são fornecidos pelo Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados – C.A.RA.

Em 1996, foram julgados os responsáveis pelo Instituto Goiano de Radioterapia. A sentença por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) foi de três anos e dois meses de prisão, mas a pena foi substituída por prestação de serviços.

A Lei nº 9425 criada em 24 de dezembro de 1996 concedeu pensão especial para as vítimas do maior acidente nuclear no Brasil e no mundo, ocorrido fora de usinas nucleares.

Entenda o que é Lixo nuclear.

Césio-137: o que é? e efeitos no organismo

Césio é um elemento químico da tabela periódica, de número atômico 55 e símbolo Cs. Seu nome tem origem do latim caesium e significa "céu azul". Esse metal alcalino possui 34 isótopos conhecidos, que são instáveis ou radioativos.

O isótopo césio-137 é instável e o seu núcleo é facilmente desintegrado, promovendo emissões radioativas. Quando o núcleo de um átomo se desintegra ocorre a fissão nuclear, que produz um novo elemento químico e emite radiação (alfa, beta ou gama).

Fissão nuclear de um núcleo atômico
Emissões radioativas de um núcleo atômico

Para que serve o césio-137?

As emissões radioativas são capazes de destruir as células cancerígenas, que são mais sensíveis à radiação. Por isso, são empregadas doses calculadas do radioisótopo de césio no tratamento do câncer.

Os perigos do césio-137: a razão por que o acidente foi tão grave

O perigo ocorre quando a radiação ionizante, que tem elevado poder de penetração, emite altas concentrações de partículas radioativas. O principal efeito biológico é a mudança nas células do sangue, como a perda de glóbulos brancos.

O isótopo de césio-137, por exemplo, age no organismo provocando:

  • hemorragias,
  • infecções,
  • doenças agudas,
  • perda de cabelo
  • morte (dependendo da quantidade e tempo de exposição).

Leia também sobre o maior acidente nuclear da história: Acidente de Chernobyl.

Carolina Batista
Carolina Batista
Bacharela em Química Tecnológica e Industrial pela Universidade Federal de Alagoas (2018) e Técnica em Química pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (2011).